“Tributo ao pioneiro”
"Ao percorrer Brasília com seu gravador, gravando suas conversas e mostrando que não havia esforço político para mudar a situação dos povos indígenas, Juruna transpôs barreiras e pela primeira vez, nos fez ouvir do alto da tribuna", ressalta a deputada Célia em artigo publicado na Carta Capital
25 jul 2023, 15:50 Tempo de leitura: 3 minutos, 33 segundosPor Célia Xakriabá
No dia 17 de julho, completamos 21 anos sem Mário Juruna, o nosso líder do povo Xavante que foi o primeiro indígena eleito na Câmara dos Deputados e a cada dia dentro do Congresso Nacional, é mais um dia que levo sua força e memória. Não seria possível imaginar o nosso reflorestar da política sem olhar para o passado e reverenciar a história dele, que foi eleito ainda nos anos 80 e que de seu gravador e sua palavra, arco e flecha.
Quando falo que cheguei ao Congresso para assinar e não para assassinar direitos, levo comigo os mais de 1,5 milhão de indígenas brasileiros, mas sempre me lembro de Mário Juruna e Joênia Wapichana. O primeiro indígena eleito e a primeira mulher indígena eleita. Pelo meu estado também sou a primeira mulher indígena eleita, mas trago a certeza de que haverá um momento em que não seremos mais os primeiros. E para honrar a memória e contar a nossa história a partir da nossa visão, nesse mês, protocolamos o Projeto de Resolução de Alteramento de Regimento (PCR) 91/2023, que atribui ao Plenário 12 do Anexo II da Câmara dos Deputados, o nome de Mário Juruna.
O Plenário 12 recebe hoje a nossa Comissão da Amazônia e dos Povos Originários e Tradicionais. Com ela, sou a primeira mulher indígena a presidir uma comissão na história da Câmara dos Deputados e também carrego a honra de ser a primeira parlamentar do PSOL a presidir uma comissão. Mais uma vez, falamos aqui de sermos os primeiros. Mais uma vez, com a certeza de que é a hora do nosso chamado e de mudarmos essa história.
Desde a fundação do parlamento brasileiro, demoramos quase quase dois séculos para elegermos mulheres indígenas, quase 200 anos para termos o nosso novo e ancestral Ministério dos Povos Indígenas. Isso é o que eu chamo de racismo da ausência, já que por muito tempo não só tentaram nos exterminar, nos violentaram, como tentaram nos apagar da história e dos espaços. Resistimos pela força do cantar e do cocar. Reflorestaremos com essa mesma força. E é contra essas ausências, que levo hoje o nome de Juruna mais uma vez para o Congresso Nacional.
Escrevemos a nossa história com as nossas tradições, preservando nossas línguas e com a força da oralidade e da palavra falada, não deixamos que a colonização nos dizimasse. E é exatamente entendendo a força da palavra falada, que o gravador de Juruna mostrou ao povo que de quase nada valia a palavra do branco. Insistem no peso das canetas, na força do etnocídio legislado, mas esquecem que o nosso cantar e o nosso falar se faz no chão da luta.
Ao percorrer Brasília com seu gravador, gravando suas conversas e mostrando que não havia esforço político para mudar a situação dos povos indígenas, Juruna transpôs barreiras e pela primeira vez, nos fez ouvir do alto da tribuna. E é também por isso que sempre canto ao subir na tribuna. Nessa casa de senhores engravatados em que muito fala e pouco se escuta, não poderão se ensurdecer diante do nosso canto.
Se insistem em assassinar nossos direitos, seguiremos usando a nossa voz para ecoar pedido por justiça e reparação. Seguiremos usando nossas palavras para dizer que a saída para barrar as mudanças climáticas está em nossas tecnologias sociais e ancestrais. Se insistem no passar da boiada, seguiremos passando com os nossos cocares.
Ocupar a política é levar uma luta coletiva, uma luta que vem dos territórios. Nomear um plenário com o nome de Mário Juruna é usar os símbolos dos brancos para reforçar que chegamos para ficar. É lembrar, como disse a nossa parentíssima ministra Sônia Guajajara no dia de sua posse, que não haverá nunca mais um Brasil sem nós.
Foto: Acervo/Fundação Leonel Brizola