Skate: da proibição autoritária às medalhas olímpicas (Por Luiza Erundina)

Símbolo de inclusão social e pertencimento urbano, o esporte teve sua proibição cancelada em São Paulo em 1988, pela então prefeita Luiza Erundina, hoje deputada federal pelo PSOL

8 ago 2024, 15:47 Tempo de leitura: 3 minutos, 13 segundos
Skate: da proibição autoritária às medalhas olímpicas (Por Luiza Erundina)

No final dos anos 1980, os skatistas da cidade de São Paulo enfrentavam perseguição da autoridade municipal, que proibia a prática do esporte e o reprimia com violência. Os agentes da Guarda Civil Metropolitana (GCM) recebiam ordens expressas do então prefeito Jânio Quadros para retirar à força os skates das mãos dos jovens e destruí-los na presença deles – o que, quase sempre, provocava crises de choro.

Naquele tempo, os skatistas de rua costumavam usar as marquises do Parque Ibirapuera, que ofereciam um piso adequado para treinar suas manobras – além de ser um espaço coberto, protegido da chuva. Havia o inconveniente, contudo, de ficarem próximos ao gabinete do prefeito, localizado no Pavilhão Padre Manoel da Nóbrega.

Inconformados com o abuso de poder, os skatistas decidiram se mobilizar e promover um protesto no portão principal do Ibirapuera. Havia cerca de 200 manifestantes, número suficiente para fazer um barulho que incomodasse o prefeito.

Na ocasião, os skatistas fizeram a entrega de um abaixo-assinado com mais de seis mil assinaturas. Pedia-se a revogação da canetada de Jânio, que se manteve insensível ao clamor dos munícipes. Os jovens, no entanto, continuaram aguardando a mudança de rumos no governo da cidade para terem seus direitos assegurados.

Foi aí que entrei em cena. Como candidata a prefeita da cidade de São Paulo naquele ano de 1988, tive um encontro com os skatistas paulistanos, oportunidade em que me comprometi, se eleita, a revogar o ato do prefeito Jânio Quadros. E foi o que fiz, assim que assumi a prefeitura, em 1° de janeiro de 1989.

Não só revoguei a proibição do skate como também ampliei espaços públicos destinados à modalidade, prática em que jovens atletas brasileiros têm se destacado, inclusive nas duas últimas Olimpíadas – o que é motivo de orgulho para todos nós.

Trinta e cinco anos depois, em Paris, Rayssa Leal, aos 16 anos, conquistou a medalha de bronze, tornando-se a brasileira mais jovem a subir ao pódio em edições diferentes dos Jogos Olímpicos.

Reconheço que a decisão de acabar com a proibição do skate foi um marco importante para São Paulo e para o Brasil. Não significou apenas uma vitória dos skatistas, que finalmente puderam praticar a atividade livremente, mas também simbolizou uma mudança de atitude da administração em relação à participação popular nas ações de governo e, principalmente, dos mais jovens – desencantados, em parte, com a política. O skate é e sempre foi uma expressão legítima de lazer, esporte e inclusão social.

Com o passar dos anos, o skate – proibido no passado, hoje certeza de medalha olímpica – evoluiu de uma prática marginalizada para uma modalidade respeitada e institucionalizada. Quando fez a sua estreia nos Jogos Olímpicos de Tóquio, há três anos, trouxe medalhas para o Brasil e mostrou ao mundo o talento dos skatistas brasileiros. Essas conquistas provam o potencial do esporte na transformação de vidas, algo que começou a ser reconhecido lá atrás, com a decisão da nossa gestão em acolhê-lo e apoiá-lo.

Hoje, vejo aquela decisão como mais do que uma simples mudança de política pública, mas o reconhecimento de que a cidade pertence a todas e todos, e que o esporte tem um lugar legítimo no espaço urbano.

A inclusão do skate nas Olimpíadas foi sem dúvida algo extraordinário, mas, para os skatistas, a verdadeira vitória foi conquistada anos antes, quando puderam, finalmente, andar livremente pelas ruas da nossa cidade.

Artigo publicado originalmente no jornal Folha de S. Paulo, em 6 de agosto de 2024.