Sâmia impõe derrota a Salles na CPI do MST e confronta o investigado Luciano Zucco por ligação com os atos golpistas

Deputada do PSOL foi diversas vezes interrompida e chegou a ter o microfone cortado pelo presidente da CPI, fato que deve ser investigado pela PGR como crime de violência política de gênero

26 maio 2023, 13:24 Tempo de leitura: 4 minutos, 58 segundos
Sâmia impõe derrota a Salles na CPI do MST e confronta o investigado Luciano Zucco por ligação com os atos golpistas

Teve início nesta semana a CPI criada pela base bolsonarista na Câmara com intuito de criminalizar o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e tirar o foco das investigações a respeito de crimes cometidos pelo ex-presidente e seus apoiadores. Sâmia Bomfim (SP), que é a titular de seu partido na comissão, protagonizou embates ao confrontar o presidente do colegiado, Luciano Zucco (Republicanos), e o relator Ricardo Salles (PL), ambos financiados por ruralistas e respondendo a vários inquéritos. Durante as sessões, a deputada chegou a ter sua fala interrompida diversas vezes, fato que gerou um pedido do Ministério Público Federal (MPF) à Procuradoria-Geral da República (PGR) para que seja investigado como crime de violência política de gênero.

A primeira derrota de Salles ocorreu logo após a abertura da comissão, na terça (23.05). Quando fez a leitura de seu plano de trabalho, o deputado surpreendeu seus pares ao mudar o título do documento. Quando instalada, no último dia 7, a nomenclatura aprovada foi “CPI do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST)”, como consta no requerimento autorizado pelo presidente Arthur Lira (PP). Já a versão do relator trazia “Comissão Parlamentar de Inquérito destinada a investigar a invasão de propriedade, depredação de patrimônio público e privado e crimes correlatos”.

“Ele simplesmente distorceu deliberadamente, sem nenhum pudor, aquilo que foi a leitura, abertura e intuito real dessa CPI. Já falamos isso, a intuição dessa CPI é criar uma distração sobre os reais crimes que estão sendo cometidos nesse País”, protestou Sâmia, que completou: “Se é isso que eles querem tratar, de todas as invasões, inclusive as financiadas pelo agro, nós estamos dispostos a fazer convocações também”. A deputada foi endossada por Gleisi Hoffmann (PT) e outros parlamentares, gerando pressão para que Zucco garantisse a retomada do escopo original.

Censura e violência

Pouco depois, Sâmia fazia uso do seu tempo de fala quando, ao ler uma notícia, denunciou que o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes, havia acabado de determinar que a Polícia Federal retomasse as investigações sobre a participação do presidente da CPI em atos antidemocráticos. Ela ainda teria 30 segundos de fala, mas foi cortada por Zucco sob o argumento de que não seria permitido “injúrias” contra integrantes da reunião.

Após alguns minutos, a deputada apresentou uma questão de ordem por ter sido interrompida: “Eu tive o microfone cortado quando ainda havia 30 segundos para eu concluir meu tempo de líder. Uma coisa é fazer interrupções, pedir ordem, quando há ofensas, quando parte para agressão física ou verbal. Eu não estava fazendo nada disso. Eu estava lendo uma reportagem da imprensa”, disse. Contudo, antes de concluir, seu microfone foi novamente cortado, quando ela tinha cerca de dois minutos restantes pelo tempo da Liderança do PSOL.

No segundo dia de discussões, Sâmia foi interrompida pelo menos outras três vezes por membros da oposição. “Muito me estranha que minhas questões de ordem foram indeferidas antes mesmo que eu pudesse apresentá-las para expor um fato relativo a um relatório final sobre uma chacina (de Pau D’Arcos). O deputado Valmir Assunção (PT-BA) fez o mesmo levantamento, só que teve uma diferença: eu não pude terminar de fazer a minha fala, mas ele pode terminar de fazer a dele. Queria entender por que existe essa diferença de tratamento entre homens e mulheres membros desta CPI?”, apontou, em uma de suas intervenções.

Ontem (25.05), o grupo de trabalho do Ministério Público Eleitoral, ligado ao MPF, pediu que a PGR investigue possível ocorrência de violência política de gênero contra a deputada. Na representação, o órgão cita um artigo do Código Penal que tipifica como crime condutas de assédio, constrangimento, humilhação, perseguição ou ameaça praticadas contra mulheres candidatas ou ocupantes de cargo eletivo. O crime tem pena de 1 a 4 anos de prisão.

Sem precedentes

Outro momento de tensão foi quando a deputada Talíria Petrone (RJ) solicitou permissão para realizar um minuto de silêncio em memória dos dez trabalhadores sem terra assassinados na barbárie conhecida como Massacre de Pau D’Arco, em 2017, no Pará, cujos mandantes ainda seguem impunes. Embora Zucco tenha autorizado, o bolsonarista Éder Mauro (PL se recusou a permanecer em silêncio, e começou a xingar as vítimas.

Sâmia começou a ler os nomes dos mortos para que apoiadores do movimento dissessem “presente”, em homenagem. A partir desse momento, Mauro começou a gritar “criminoso” e “bandido” para cada pessoa mencionada. Segundo a deputada e outros presentes, a recusa de um minuto de silêncio pode ser considerado um vergonhoso fato inédito na história da Câmara.

Financiado com trabalho escravo

Sâmia e Talíria apresentaram ainda um requerimento para que um dos financiadores da campanha de Luciano Zucco em 2018 seja convocado a depor na CPI. No pedido, as parlamentares solicitam que o empresário Bruno Xavier fale como testemunha sobre uma condenação que recebeu da Justiça do Trabalho por manter funcionários em “condições degradantes” em uma de suas fazendas.

A decisão do Tribunal Regional do Trabalho (TRT) da 23ª Região aponta que foi identificada “precariedade da moradia, higiene e segurança oferecidas aos trabalhadores encontrados pelo grupo especial de fiscalização, destacando-se a falta de instalações sanitárias e dormitórios adequados no alojamento, bem como o não fornecimento de água potável”. Ainda foram registradas pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) situações como exposição a agrotóxicos, falta de equipamentos de proteção e até três meses sem água no alojamento.

Foto: Lula Marques