PSOL na Câmara quer mandato de Ramagem cassado por espionagem ilegal e desvio de função quando liderava a Abin no governo de Jair Bolsonaro
Já existe o entendimento da Comissão de Ética de que crimes cometidos antes da posse de deputados podem levar a afastamento quando ferirem a honra do próprio Parlamento
9 fev 2024, 11:03 Tempo de leitura: 4 minutos, 2 segundosA Liderança do PSOL na Câmara vai protocolar uma representação por quebra de decoro parlamentar contra Alexandre Ramagem Rodrigues, conhecido como “Delegado Ramagem”, deputado pelo PL do Rio de Janeiro e ex-diretor geral da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) durante o governo de Jair Bolsonaro. Alvo de uma operação recente da Polícia Federal (PF), ele é suspeito de espionagem ilegal de políticos e autoridades públicas quando comandava o órgão, entre outros crimes.
A Polícia Federal cumpriu 21 mandados de busca e apreensão no Rio de Janeiro, em Minas Gerais e em Brasília – um deles, em seu gabinete na Câmara dos Deputados. Foram apreendidos quatro computadores, seis celulares e 20 pen-drives em endereços de Ramagem. Segundo reportagem da TV Globo, entre os objetos apreendidos, há um notebook e um celular da Abin.
Na representação, os parlamentares do PSOL afirmam que, pelos fatos e provas reunidos e elencados no documento, “conclui-se que o dep. federal Delegado Ramagem desonrou o cargo para o qual foi eleito, abusando das prerrogativas asseguradas para cometer as ilegalidades e arbitrariedades a seguir expostas, enquadradas no rol de sanções previstas no artigo 10, inciso IV (perda de mandato), do Código de Ética e Decoro Parlamentar”.
No pedido para autorização da investigação, a PF afirmou que identificou uma organização criminosa que montou uma “estrutura paralela” na Abin, com a intenção de monitorar ilegalmente pessoas e autoridades, e que o grupo usou uma ferramenta de geolocalização de celular sem autorização judicial e utilizou os dados para fazer investigações policiais sem autorização da Justiça. Na verdade, o que salta aos olhos é não uma “Abin paralela”, mas a Abin aparelhada, com suas funções deturpadas.
“Não podemos achar normal que um agente público use seu cargo e a estrutura do Estado para espionar ilegalmente adversários políticos e depois fique tranquilamente exercendo um mandato de deputado federal. Já existe o entendimento da Comissão de Ética de que, dependendo do crime que a pessoa cometeu antes de ser deputado, se esse crime fere a honra do próprio Parlamento, ele precisa ser afastado mesmo que o crime tenha sido cometido antes, e este é tipicamente um caso como esse. Atentar contra o Estado Democrático de Direito antes de ser deputado fere a honra e o decoro do Parlamento e é mais um ataque contra a democracia desse grupo político que governou o Brasil entre 2019 e 2022. Ramagem deve perder o mandato e ser responsabilizado junto com seus cúmplices”, afirma o deputado Tarcísio Motta (RJ), que propôs a representação.
Na representação, está detalhado o modo como o Supremo Tribunal Federal (STF) e o próprio Conselho de Ética já se posicionaram sobre os limites de atuação da Abin e as responsabilidades de seus servidores. “Como diretor da agência, existem indícios que mostram que ele comandava o esquema de monitoramento ilegal de adversários do então presidente Bolsonaro. Não podemos tolerar que ele seja mantido no cargo de deputado federal. Por isso, o PSOL ingressa com pedido de sua cassação no Conselho de Ética da Câmara”, afirma a presidente do PSOL, Paula Coradi.
Software de espionagem
Segundo a polícia, o programa espião, chamado First Mile – comprado pelo governo Michel Temer em 2018 de uma empresa israelense –, foi usado até o terceiro ano do governo Bolsonaro. O programa permite saber a localização de alguém apenas digitando o número do celular, sendo possível fazer um histórico de lugares visitados e até criar um alerta para quando a pessoa chegasse a um determinado local.
A PF aponta que esse monitoramento é ilegal e extrapola as competências da agência. Pela lei, a Abin não pode fazer nenhum tipo de interceptação telefônica. Apenas as polícias Federal e Civil, e o Ministério Público – mesmo assim, sempre com autorização judicial.
A PF dividiu o que classificou como organização criminosa em quatro núcleos. Ramagem integrava o núcleo da alta gestão, formado por delegados federais que estavam cedidos para Abin exercendo funções de direção e utilizaram o sistema First Mile para monitoramento de alvos e autoridades públicas.
Segundo a PF, o núcleo “subordinados” tinha policiais federais cedidos à Abin que serviam de “staff” para a alta gestão, cumprindo as determinações, monitorando alvos e produzindo relatórios. A operação foi autorizada pelo ministro do STF – Supremo Tribunal Federal, Alexandre de Moraes. Na decisão, Moraes destacou, em mais de um momento, que as investigações mostram que a Abin, sob a direção do representado, teria sido usada para interesses ilícitos.
Foto: Valter Campanato/Agência Brasil