Primeira rodada de convidados marca CPI do MST como palco da violência política de gênero
Deputada Sâmia Bomfim (PSOL-SP) virou foco de reiteradas tentativas de silenciamento e até intimidação física por parte de bolsonaristas e ruralistas
2 jun 2023, 13:46 Tempo de leitura: 4 minutos, 36 segundosA Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Câmara que tenta criminalizar o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) serviu de palco, novamente, para cenas de misoginia contra a deputada Sâmia Bomfim (SP), titular do PSOL. Além do presidente da comissão, Luciano Zucco (Republicanos-RS), que deve responder a um inquérito da Procuradoria-Geral da República (PGR) por violência política de gênero, o relator Ricardo Salles (PL-SP) também se atreveu a silenciar a atuação da parlamentar. Outro bolsonarista, Abilio Brunini (PL-MT), chegou a intimidar fisicamente Sâmia e sua colega de bancada, Talíria Petrone (RJ).
Na terça (30), a CPI recebeu o casal Nelcilene Reis e Ivan Xavier, ex-integrantes do acampamento Marias da Terra, no Distrito Federal. Anunciada como uma audiência pública, logo de cara, a sessão foi desvirtuada pela mesa e ganhou ares de oitiva, colocando os convidados na posição de testemunhas. De forma confusa, Salles passou a interrogar o casal, que devolveu um emaranhado de ilações sem provas e respostas que soaram positivas as condições do assentamento, frustrando a expectativa da oposição. O relator era flagrado a todo momento cochichando e escrevendo recados a Nelcilene, que também foi orientada por Zucco a se retirar antes de responder às perguntas da base governista.
Em sua fala, Sâmia comentou sobre uma diligência feita um dia antes (29) pela CPI no Pontal do Paranapanema (SP). Na ação, acompanhado por policiais, o clã bolsonarista invadiu moradias sem autorização e coagiu diversos trabalhadores, numa nítida demonstração de abuso de autoridade. “Vocês saem espalhando por aí que nós fazemos isso. Hein, deputado Salles? Que está sonhando em disputar a prefeitura contra o Guilherme Boulos e nem o seu próprio partido o senhor conseguiu convencer ainda. Vive acusando ele de fazer invasão da casa alheia, mas invadiu o barraco onde essas pessoas moram”, disparou.
Em seguida, a deputada teve o microfone cortado por Salles, protestou e pediu para ter o tempo de fala reposto. Ela, mais uma vez, ironizou o ex-ministro do Meio Ambiente acusado por tráfico de madeira: “É mais um que quer que a PGR faça investigação, assim como está acontecendo com o presidente da CPI. Além da Polícia Federal, o senhor vai ter a PGR batendo na porta daqui a pouco. O senhor se controle e não interrompa”. “Se quando era ministro atuava para defender madeireiro, agora que é deputado atua para defender grileiro?”, confrontou Sâmia sobre os reais interesses do relator na diligência.
Caiu do cavalo
O governador de Goiás, Ronaldo Caiado (União), foi o convidado da CPI na quarta (31), sob o argumento de que, em seu estado, não há ocupações do MST. Com o início da sessão, deu-se também uma nova série de interrupções contra Sâmia, que teve o microfone novamente desligado e uma questão de ordem indeferida por Zucco antes mesmo de expor seu questionamento. Outras cinco questões de ordem da deputada foram negadas ao longo da reunião.
Porém, a tentativa de silenciar a deputada não surtiu efeito. Em seu tempo de fala pela Liderança do PSOL, Sâmia lembrou ao governador – que pouco antes havia associado o MST ao narcotráfico – sobre um dos seus maiores financiadores de campanha em 2018. Forte empresário do agro no centro-oeste, Alexandre Negrão respondeu por associação ao tráfico e facilitação de refino de cocaína, sendo investigado, inclusive, por uma CPI que tratou do assunto na Câmara há mais de 20 anos.
Sâmia ainda falou do passado político de Caiado, que foi líder da União Democrática Ruralista (UDR), organização de grandes latifundiários de extrema-direita que esteve ligada ao assassinato do líder sindicalista e seringueiro Chico Mendes, em 1988, no Acre. A deputada ainda levantou a “ficha suja” da família Caiado por prática de trabalho escravo e explanou sobre a atuação do governador para impedir os avanços da reforma agrária no Brasil.
Ao mencionar dados da ONU que apontam Goiânia como a cidade da América Latina com maior índice de concentração de renda, a parlamentar foi novamente atravessada pelos bolsonaristas, que ovacionaram Caiado por esse resultado. Em tom irônico, Sâmia deu uma aula: “Talvez os deputados não saibam o conceito de ‘concentração de renda’. Significa que poucos têm muito dinheiro e muitos não têm quase nada, significa desigualdade social e injustiça. É contra isso que a esquerda e o marxismo, que o senhor tanto diz odiar, combatem. É por isso que existem os movimentos sociais”.
Em outro momento de flagrante violência política de gênero, o bolsonarista Abilio Brunini, que não é membro da CPI, tentou intimidar Sâmia e Talíria fisicamente, emparedando as duas para impedi-las de direcionar a palavra a Caiado, Salles e Zucco. Ambas reagiram e o deputado partiu para cima de forma bastante ameaçadora, tendo que ser controlado pela colega Silvye Alves (União-GO). A enfermeira e ativista Líbia Bellusci, que acompanhava a sessão, gritou em defesa das parlamentares e Zucco determinou que ela fosse retirada do plenário. A decisão de expulsá-la gerou um novo conflito que acabou garantindo a presença da cidadã no plenário.
Foto: Divulgação/Gabinete Sâmia Bomfim