Parlamentares do PSOL discutem trabalho escravo e se comprometem a pautar o Legislativo sobre o tema
Reunião organizada pela deputada Fernanda Melchionna (RS) debateu recentes resgates de trabalhadores e necessidade de implementar legislação eficaz e fortalecer mecanismos de fiscalização
14 mar 2023, 15:15 Tempo de leitura: 3 minutos, 39 segundosOs principais desafios para o combate ao trabalho escravo no Brasil foram o tema da reunião que aconteceu hoje no Plenário 9 da Câmara dos Deputados, com presença dos pesquisadores e ativistas sobre o tema no país, jornalista Leonardo Sakamoto, autor do livro “Escravidão Contemporânea”, que reúne textos de especialistas no assunto do mundo todo, e Frei Xavier Plassat, coordenador da Campanha Nacional da Comissão Pastoral da Terra de Combate ao Trabalho Escravo.
Os dois foram recebidos pela deputada do PSOL Fernanda Melchionna (RS), que convocou a reunião, da qual participaram ainda os deputados Tarcísio Motta (RJ), Pastor Henrique Vieira (RJ), Célia Xakriabá (MG), Chico Alencar (RJ), Ivan Valente (SP), Túlio Gadêlha (PE), Rogério Cardoso (PT/MG) e Daiana dos Santos (PCdoB/RS), o assessor Leandro Lemos representando o senador Paulo Paim (PT/RS) e lideranças do Movimento dos Trabalhadores Sem Direito de Minas Gerais.
O evento acontece depois de a bancada do PSOL na Câmara ter protocolado o PL 978/2023, de iniciativa dos deputados Fernanda Melchionna e Tarcísio Motta, e do requerimento de criação de CPI do Trabalho Escravo, do deputado Pastor Henrique Vieira. O PL 978/23 traz em sua justificativa o recente episódio que resultou em absurdas manifestações xenofóbicas contra nordestinos e no resgate de 207 trabalhadores em Bento Gonçalves, no Rio Grande do Sul, no último mês de fevereiro. Eles estavam vivendo em condições degradantes ao serem contratados para trabalhar em três das principais vinícolas em atividade no Brasil. Outros casos aconteceram posteriormente.
Na prática, o projeto visa regulamentar o art. 243 da Constituição Federal, que dispõe sobre a expropriação de propriedades rurais e urbanas pela identificação de trabalho análogo a escravidão. O PSOL na Câmara propõe, em seu primeiro artigo, que “as propriedades rurais e urbanas em que for identificada a exploração de trabalho em condições análogas à de escravo serão imediatamente expropriadas e destinadas à autogestão da área pelos trabalhadores resgatados, à reforma agrária e a programas de habitação popular, sem qualquer indenização ao proprietário e sem prejuízo de outras sanções previstas em lei”.
Entre os vários aspectos abordados, destacou-se a necessidade de implementar legislação eficaz, já que atualmente as empresas ainda não são necessariamente responsabilizadas pela cadeia produtiva e as interferências da bancada ruralista nas tentativas de regulamentação do artigo 243/CF, como por exemplo a desvirtuação do conceito de trabalho escravo, reduzindo a apenas um dos aspectos que o definem. Além disso, é preciso fortalecer os mecanismos de fiscalização, que ficaram sem orçamento durante o governo Bolsonaro.
Apesar de os dados apontarem um aumento no número de resgates de trabalhadores, o pesquisador Leonardo Sakamoto destacou que isso não dá uma real dimensão do problema. “Se tivéssemos um número maior de auditores fiscais e recursos para realizar fiscalização, teríamos uma ideia melhor”, afirmou. “Hoje parte do trabalho é feito com serviço de inteligência, mas não há ainda capacidade de atuar em todo o território nacional”, complementou Frei Xavier.
Além do PL 978/2023, o PSOL vai apresentar ainda hoje (14.03) um projeto de lei, de autoria de Tarcísio Motta, Fernanda Melchionna e Pastor Henrique Vieira, que visa responsabilizar as empresas envolvidas em casos de trabalho escravo em toda a cadeia produtiva, acrescentando dispositivo na Lei nº 6.019/1974 para estabelecer a “responsabilidade solidária nos casos de exploração de trabalho em condições análogas à de escravo”. Uma das principais alegações das empresas envolvidas nesses casos é “desconhecer a situação”, jogando a responsabilidade para as empresas tomadoras de serviço, que às vezes realizam inclusive tráfico humano, levando trabalhadores para serviços análogos à escravidão distante de suas regiões originais.
A iniciativa se espelha em dispositivos já em vigor em alguns países da Europa, como a França e a Alemanha, na chamada “devida diligência obrigatória em direitos humanos”, que exige que as empresas identifiquem, previnam, mitiguem e respondam por danos que causem ou para os quais contribuam – caso do trabalho escravo, que em geral está relacionado a diversos outros crimes de ordem ambiental e financeiro, por exemplo.
Foto: Bruna Menezes / LidPSOL