O que vi na China com Lula (Por Talíria Petrone)
A visita à China neste momento de disputas entre potências foi também um gesto político: dizer ao mundo que o Brasil não está preso a alianças automáticas, que não aceita ser tratado como quintal de ninguém
21 maio 2025, 20:15 Tempo de leitura: 2 minutos, 55 segundos
Volto ao Brasil com muitos aprendizados e uma certeza: nosso futuro será decidido pelas escolhas que fizermos agora
Passei a última semana na China integrando a comitiva do presidente Lula (PT) em missão oficial ao país que hoje é o principal parceiro comercial do Brasil. Fui a única mulher entre os oito parlamentares convidados (dois senadores e cinco deputados), e posso dizer com tranquilidade: voltamos com mais do que acordos. Voltamos com lições importantes, compromissos estratégicos e a reafirmação de que o Brasil tem papel relevante a desempenhar no cenário global.
A visita à China neste momento de disputas entre potências foi também um gesto político: dizer ao mundo que o Brasil não está preso a alianças automáticas, que não aceita ser tratado como quintal de ninguém. Nosso interesse é pela construção de um mundo multipolar, mais justo e cooperativo, que enfrente com seriedade a crise climática, a desigualdade social e que fortaleça os países do Sul Global.
O Brasil perdeu tempo na corrida tecnológica, e isso tem consequências. Hoje, por exemplo, liberamos nosso território para milhares de satélites de Elon Musk. Mas por que não dialogar também com a China sobre isso? Por que não negociar contrapartidas em forma de transferência tecnológica, desenvolvimento conjunto e formação de profissionais brasileiros?
Durante a missão, foram firmadas parcerias em áreas cruciais: inovação em equipamentos para combate ao câncer, redes 5G, energias renováveis e reindustrialização com base em novas tecnologias. Essa retomada da indústria não pode ser pensada apenas com lógica de mercado – ela precisa gerar empregos de qualidade, fortalecer a soberania nacional e respeitar os limites do meio ambiente.
É nesse ponto que a parceria com a China também se mostra estratégica. Os Estados Unidos têm sabotado a COP30, que acontecerá aqui no Brasil, em Belém (PA).
Precisamos de aliados para garantir que a conferência avance e que a transição energética global tenha como foco não apenas a descarbonização, mas também a justiça. Justiça climática, sim – mas também justiça social, com protagonismo da agricultura familiar, das comunidades tradicionais e da classe trabalhadora.
Sabemos que o agronegócio e a mineração ainda têm peso enorme nas exportações brasileiras para a China. Mas essa dependência de commodities precisa ser revista. Precisamos fortalecer setores com maior valor agregado, menos dependentes da destruição da natureza e mais conectados ao conhecimento, à inovação e à sustentabilidade.
Não se trata de copiar o modelo chinês, mas de aprender com ele. A China deixou de ser um país rural e se tornou a maior potência industrial e tecnológica do mundo em poucas décadas. Fez isso com planejamento, investimento público e sem entregar seu destino ao livre mercado. Essa é, talvez, a principal lição: é preciso um Estado forte, com projeto nacional, para conduzir o desenvolvimento.
Volto ao Brasil com muitos aprendizados e uma certeza: nosso futuro será decidido pelas escolhas que fizermos agora. E é papel do Parlamento brasileiro não apenas acompanhar, mas participar ativamente dessas decisões, com coragem e visão estratégica. Temos muito a construir e um povo que merece viver num país soberano, justo e preparado para os desafios do século XXI.
*Artigo publicado originalmente na revista “Carta Capital” em 18/05/2025