“O mundo todo diz não ao Marco Temporal” – Por Célia Xakriabá
É tempo de unir nossas vozes para ecoar o nosso chamado. E aqui, convoco quem lê a se responsabilizar pelo planeta conosco e dizer que a saída para a humanidade é agora e é dizendo não ao Marco Temporal.
20 out 2023, 16:59 Tempo de leitura: 4 minutos, 7 segundosArtigo de Célia Xakriabá
As nossas Minas Gerais padecem de um adoecimento quando olhamos para os nossos biomas. Sabemos das urgências e lutas locais, mas hoje, precisamos lembrar de um tema que afeta todo o território brasileiro e que precisa ser compromisso de todas e todos que ainda têm esperança na humanidade e na vida no nosso planeta. Setembro foi mês de vitória e foi o momento em que conseguimos a derrubada histórica da Tese do Marco Temporal no Supremo Tribunal de Justiça. Celebramos, mas aqui, chamo atenção para os avanços que ainda continuam e para a resistência que precisa seguir.
O Marco Temporal era uma tese que colocava a data de 1988 como parâmetro para a demarcação dos territórios indígenas brasileiros, ou seja, ele diz que só teriam direito ao territórios povos que estivessem ocupando suas terras nessa data. Em primeiro lugar, essa tese absurda apaga a verdadeira história do nosso país, um Brasil que é indígena e que era ocupado por nós em sua totalidade quando foi invadido pelos portugueses. Em segundo lugar, ignora o fato de que diversos conflitos, violências do próprio Estado e uma cultura racista nos expulsaram por diversas vezes de nossos territórios, quase sempre em constante retomada. Sendo assim, como dizer de 1988 para o reconhecimento de territórios constantemente usurpados?
Vivemos tempos de destemperança e é preciso aquecer nossos corações para desaquecer o planeta. Enquanto vivenciamos a crise climática com ondas de calor, com seca na Amazônia e com impactos diretos nas nossas águas gerais e no nosso Cerrado, como fechar os olhos para a saída número um para barrar as mudanças climáticas? Sim, essa saída é ancestral e passa pelos povos indígenas e seu direito ao território. Se somos responsáveis por preservar 80% da biodiversidade do planeta, como seria possível pensar em vida na Terra sem preservar nossos territórios? Eu digo que é impossível e já estamos chamando atenção para isso há muito tempo. Enxerga quem tenta ver. Escuta quem quer mudanças. Se mobiliza quem ainda tem humanidade.
Com muito esforço do movimento indígena, da bancada do cocar, dos movimentos sociais e de pessoas que aderiram a essa luta, o Marco Temporal cai e é considerado inconstitucional no STF, mas não paramos por aí. Na semana seguinte, em tempo recorde o Projeto de Lei 2903 foi aprovado na Comissão de Agricultura do Senado, teve sua urgência votada e foi aprovado no Senado Federal. Ele tenta legislar esse Marco Temporal já considerado algo fora do que rege a nossa constituição cidadã. Ou ao menos que deveria ser cidadã.
Junto a isso, vários ataques diretos aos direitos dos povos indígenas estão incorporados a esse projeto. Um verdadeiro atentado ao meio ambiente e a nós. Um atentado a quem ainda tem esperança de um futuro. Se seremos os primeiros a morrer com a violência do passar da boiada, é preciso lembrar a todas e todos, que o futuro chega e que os próximos serão pelo veneno que chega em suas mesas. Preservar deve ser missão universal.
Agora, esse projeto segue para sanção presidencial e estamos em constante mobilização e reforçando o nosso chamado ancestral para que ele seja completamente vetado. Junto a nossa voz, já há orientação de várias organizações e até do Ministério dos Direitos Humanos sobre a urgência desse veto. É tempo de unir nossas vozes para ecoar o nosso chamado. E aqui, convoco quem lê a se responsabilizar pelo planeta conosco e dizer que a saída para a humanidade é agora e é dizendo não ao Marco Temporal.
Em poucos dias, fizemos um abaixo assinado em parceria com a Avaaz e já estamos quase batendo a marca de 1 milhão de assinaturas. Além do apoio de todos os estados brasileiros, temos apoiadores em 190 países do mundo, faltando apenas três para a totalidade das nações. Isso mostra com clareza que o mundo todo diz não ao Marco Temporal.
Se o calor em suas casas, o veneno em suas mesas e a incerteza de futuro não é suficiente para sensibilizar quem vota esses absurdos, que a voz popular seja. Se insistem em um genocídio legislado, que o coletivo faça barreira com a força da nossa consciência. Se nos orgulhamos de um Estado tão diverso, das nossas montanhas e águas gerais, precisamos nos posicionar.
Eles assassinam direitos com suas canetas e gravatas. Nós queremos ao contrário, assinar avanços, reviver direitos, reflorestar mentes e pensamentos e salvar o planeta. Repita conosco: Lula, Veta o PL 2903.
Publicado em O Tempo.
Foto: Zeca Ribeiro / Câmara dos Deputados