Normalizando o terror ( Por Tarcisio Motta e Vladimir Safatle)

O que estamos assistindo no Rio de Janeiro é o retrato do que nos espera. Essa política é baseada na dessensibilização das massas por meio do medo, que gera raiva, que vira ódio.

5 nov 2025, 20:56 Tempo de leitura: 3 minutos, 10 segundos
Normalizando o terror ( Por Tarcisio Motta e Vladimir Safatle)

Na última quinta-feira, dia 29 de outubro, entre corpos decapitados, decepados, esfaqueados e desfigurados por tiros de fuzil, a Praça São Lucas do Complexo da Penha transformou-se em um necrotério a céu aberto. Dezenas de cadáveres estendidos no chão fizeram da morte um palanque eleitoral do governador mais desacreditado do país, desesperado pela necessidade de recuperar a popularidade perdida e conseguir uma vaga no Senado nas próximas eleições, pois precisa continuar se blindando da investigação de escândalos de corrupção que o perseguem há anos.  Até agora, são 117 pessoas sem história, sem rosto, sem famílias, sem nome, sem indignação, sem comoção. Só um número, como quem faz a contabilidade de objetos perdidos. São brasileiros submetidos à invisibilidade de gerações. São os brasileiros pelos quais tentam nos ensinar a não chorar.  É estarrecedor que até agora impere esse silêncio e essa dessensibilização. Queremos saber das histórias dessas pessoas, de suas famílias, de sua humanidade.

O que estamos assistindo no Rio de Janeiro é o retrato do que nos espera. Essa política é baseada na dessensibilização das massas por meio do medo, que gera raiva, que vira ódio. Governos que não são capazes de resolver problema algum nas áreas de saúde, de educação, ecologia, empregos, mobilizam suas tropas atirando na população, gritando “ou soma ou suma”, como se fossem generais de uma guerra civil. A visita de outros governadores da extrema-direita ao Rio de Janeiro no dia seguinte à chacina é apenas o sinal de que a fórmula será repetida para salvar governantes de sua própria incompetência. Um país com um governador que, em cima de uma montanha de mais de cem mortos, afirma: “De vítimas, só tivemos os (quatro) policiais”, destrói seu próprio futuro.

O Brasil é o nome de uma forma de violência. Um projeto de terror construído a base de genocídio, extermínio e chacinas. Da ideologia das “classes perigosas” ao discurso “bandido bom é bandido morto”, esse país sempre foi um laboratório do fascismo. Quem acha que isso é conversa fiada de centro acadêmico devia lembrar que o Brasil foi a nação que, nos anos trinta do século passado, teve o maior partido fascista fora da Europa, com 1,2 milhões de membros: a Ação Integralista Brasileira, fundada por Plínio Salgado, em 1932. Essas pessoas não desapareceram. Suas ideias continuaram vivas e pulsantes. E o fascínio popular pelo bolsonarismo é a maior evidência disso.

O que o bolsonarista Cláudio Castro fez não foi uma “operação policial”, mas um crime bárbaro que jamais trará nenhuma segurança ao Rio de Janeiro. E ele sabe bem disso. Tais chacinas nunca resolveram nada nos últimos cem anos. Sua política de jogar gasolina na fogueira não pretende resolver nenhum dos diversos problemas que afligem os cariocas, mas lhe serve para recolher dividendos eleitorais enquanto aterroriza as favelas, sempre tratadas como território inimigo. É um irresponsável, um covarde e um assassino.

No final, a última vítima é o próprio Brasil, que destrói qualquer “outro futuro possível” de sua população, ao se deixar ser tomado de assalto por governantes que sonham com uma guerra civil permanente que possa dar a eles alguma razão de existência diante de crises econômicas, sociais e ecológicas que não sabem resolver. Governantes que seguem a lógica da carnificina para insuflar o pânico moral e manter sua ganância no poder, custe o que custar, doe a quem doer.

Cabe a nós derrotá-los nas ruas, nas redes e nas urnas, antes que seja tarde demais.