Movido a machismo e hipocrisia, Conselho de Ética instaura representação contra deputadas de esquerda em tempo recorde
De uma só vez, partido de Bolsonaro pediu abertura de processos contra Célia Xakriabá, Sâmia Bomfim, Talíria Petrone e Fernanda Melchionna, do PSOL, e Juliana Cardoso e Erika Kokay, do PT
14 jun 2023, 18:15 Tempo de leitura: 4 minutos, 29 segundosO Conselho de Ética da Câmara instaurou nesta quarta-feira (14) processos para apurar a conduta de seis deputadas da esquerda por suas manifestações contrárias aos parlamentares que votaram a favor de acelerar a tramitação do projeto que prevê um marco temporal para a demarcação de terras indígenas.
No último dia 31 de maio, o presidente da Câmara, Arthur Lira, numa agilidade incomum, remeteu ao Conselho de Ética uma ação do PL, protocolada na véspera, contra as seis deputadas do PSOL e do PT. Assinada pelo presidente do PL, Valdemar Costa Netto, a peça as acusa de quebra de decoro por terem chamado de “assassinos” deputados que votaram a favor do marco temporal.
O partido de Bolsonaro havia pedido abertura de processo contra Célia Xakriabá, Sâmia Bomfim, Talíria Petrone e Fernanda Melchionna, do PSOL, e Juliana Cardoso e Erika Kokay, do PT, de forma coletiva, numa única peça.
Já no dia 2 de junho, um ofício – também de Valdemar Costa Neto – pediu a retirada de tramitação da representação, o que foi feito ontem, 12/6, pela Mesa Diretora da Câmara. No entanto, em ato contínuo, foram recebidas pela Mesa as representações de forma individualizada, para cada uma das seis parlamentares. Nos processos o PL pede a perda de mandato das deputadas.
Por outro lado, no mesmo dia 2, completou quatro meses que ações contra deputados que defenderam e apoiaram os atos golpistas de 8 de janeiro estão paradas na Mesa. Foram representações feitas pelo PSOL e, até hoje, não foram sequer despachadas ao Conselho de Ética.
Durante a sessão do Conselho de Ética na manhã de hoje, as deputadas representadas, juntamente com outros parlamentares, protestaram segurando cartazes com as inscrições “Não vão nos calar”, “Não vão nos intimidar” e “Basta de machismo”.
O presidente do Conselho de Ética Leur Lomanto Júnior (União Brasil), sorteou uma lista tríplice de possíveis relatores para cada um dos casos. Ele escolherá um dos parlamentares para conduzir as apurações.
Tramitação
O relator de cada procedimento terá dez dias úteis para elaborar um parecer preliminar, em que deverá recomendar o arquivamento ou o prosseguimento da investigação. Se entender pela continuidade do processo, o deputado notificado apresentará sua defesa e será feita coleta de provas.
Na sequência, o relator elaborará um novo parecer, em que pode pedir a absolvição ou aplicação de punição, que vai de censura à perda do mandato parlamentar. O deputado pode recorrer da decisão à Comissão de Constituição e Justiça (CCJ).
Se o Conselho de Ética decidir pela suspensão ou cassação do mandato de um parlamentar, o processo segue para o plenário da Câmara, que terá a palavra final. O prazo máximo de tramitação dos processos no Conselho é de 90 dias.
“Não nos calarão”
Após a instauração dos processos no Conselho de Ética, as deputadas concederam uma coletiva de imprensa no Salão Verde da Câmara. Elas receberam apoio de diversos parlamentares e protestaram contra a decisão.
“Em tempo recorde, o Conselho de Ética mudou a representação contra eu e as deputadas de esquerda. Foram apenas quatro horas! Enquanto isso, tem deputado que apoiou os atos golpistas com o pedido de cassação parado. Que isonomia é essa?”, indagou Talíria Petrone durante a coletiva.
Fernanda Melchionna ressaltou que homens também se manifestaram contra os favoráveis ao marco temporal e não houve representações contra eles. Para ela, trata-se de uma “caça às bruxas”. “O Conselho não pode ser um instrumento de vingança de Lira contra deputadas combativas”, ressaltou.
Sâmia Bomfim também ressaltou que as representações foram aceitas em tempo recorde. “Foram apenas quatro horas entre o protocolo e a inclusão na pauta do Conselho de Ética. Isso nunca havia acontecido na história do Congresso Nacional”, destacou.
Ela defendeu o direito das deputadas se expressarem e acrescentou que todos os dias as parlamentares são insultadas, sofrem violência política e até mesmo ameaças de morte, sem que haja punição no conselho. Em sua opinião, a extrema direita se incomoda com o empoderamento feminino e tenta intimidar as parlamentares.
Para Célia Xakriabá, não há democracia quando se silencia mulheres democraticamente eleitas. “Ser parlamentar significa ter o direito de falar. Por que não podemos falar sobre genocídio, sobre etnocídio legislado?”, questionou a parlamentar indígena. “Se querem nos cassar, lembrem que somos caçadoras! Civilidade é lutar pela vida e pela mãe Terra”, enfatizou.
“Não houve qualquer indignação por parte dos deputados quando fui chamada de imbecil. Isso está registrado nos vídeos. Ou quando outros deputados se referem às parlamentares como abortistas ou vagabundas, mesmo sem estarem com o microfone aberto”, afirmou a deputada Juliana Cardoso.
“Misoginia escancarada! Eu e mais cinco deputadas fomos parar no Conselho de Ética da Câmara Federal pelo simples fato de exercermos nossa atividade parlamentar ao defender os povos indígenas no Plenário. Se chegamos até aqui é porque nunca ousamos nos calar”, pontuou Erika Kokay.
FOTO: Mariane Andrade / Liderança do PSOL na Câmara