Identitarismo na era digital: perigo à vista

"A manifestação automática e dirigida a indivíduos e não a ideias, mesmo se sustentada por princípios éticos e por espírito coletivo, reduz a capacidade analítica, confere um tributo ao desleixo e empobrece o pensamento"

13 mar 2025, 16:19 Tempo de leitura: 1 minuto, 53 segundos
Identitarismo na era digital: perigo à vista

Artigo de Leo Lince para o mandato do deputado federal Chico Alencar

“A luta contra todas as opressões – por classe social, raça, gênero, etc, sendo isoladas, ou superpostas – vive atualmente uma etapa curiosa. Criam-se equipes unidimensionais que competem entre si por aplausos; os membros de cada equipe se posicionam sem arredar pé, cada um em seu campo; a fidelidade incondicional à equipe substitui mediações, ponderações, matizes.

Desconsideram-se circunstâncias, biografias, história pregressa, conflitos em jogo. Deixa-se de lado um aspecto inexorável das relações humanas, que é o de ter limites tênues; ignoram-se as subjetividades, as tendências passageiras, a possibilidade de correção de rumo. Assim é que um artista talentoso pode ser crucificado por vir de classe social privilegiada, mesmo tendo “traído” sua origem de classe; um homem pode ser tachado de assediador por ser homem, mesmo num contexto de relações políticas complexas e conflituosas.

Inegavelmente, as opressões de classe, raça, gênero e outras existem, e tem produzido consequências nefastas. Entretanto, se, ao combatê-las, o foco se concentra nas pessoas e não nos fatos sociais, e sua cadeia causal, haverá lamentáveis atrasos na construção de uma sociedade melhor. E pior, se a avaliação se sustenta em atuação individualizada, suprime-se o valor dos potentes movimentos sociais que combateram, desde sempre, a opressão ao povo trabalhador, a misoginia, o racismo.

Quem sabe se visando contrapor opiniões, ao invés de ofender ou insultar os indivíduos que as expressam, fosse mais eficaz contestar com argumentos, dados e fatos? Dá mais trabalho, exige reflexão, estudo e gasto de tempo. Não seria melhor analisar, julgar e só então agir, do que retirar pessoas do caminho, desqualificando-as? A manifestação automática e dirigida a indivíduos e não a ideias, mesmo se sustentada por princípios éticos e por espírito coletivo, reduz a capacidade analítica, confere um tributo ao desleixo e empobrece o pensamento.

A velocidade imposta pelas mídias digitais nos aprisiona numa rede de eventos simultâneos que parecem exigir combate instantâneo. A torrente de informações gera ansiedade e urgência de resposta”.

Crédito da imagem: iStock/ romeocane