Evangélicos, bolsonarismo e democracia: é hora de retomar os púlpitos para Jesus – Por Pastor Henrique Vieira

Ao tentar capturar as igrejas como palanque político, o bolsonarismo provocou um desgaste imenso e desrespeitou a autonomia dos púlpitos, das lideranças e das consciências

4 jul 2025, 11:33 Tempo de leitura: 2 minutos, 49 segundos
Evangélicos, bolsonarismo e democracia: é hora de retomar os púlpitos para Jesus – Por Pastor Henrique Vieira

O bolsonarismo provocou um desgaste imenso no campo evangélico brasileiro. Ao tentar capturar as igrejas como palanque político, desrespeitou a autonomia dos púlpitos, das lideranças e das consciências. Transformou templos em comitês eleitorais, dividiu comunidades e causou rachas em famílias. Essa tentativa de instrumentalização da fé não fortaleceu o cristianismo, fortaleceu apenas um projeto de poder.

É fato que uma parcela significativa dos fiéis se incomoda com essa politização autoritária e desequilibrada dos espaços religiosos. E é bom que se incomode. Porque não quero igrejas de Lula nem de Bolsonaro. Quero igrejas de Jesus. Templos que promovam cidadania, justiça social e liberdade de consciência. Que falem de democracia e direitos humanos, respeitando a diversidade política entre os irmãos e irmãs.

A igreja tem, sim, um papel político no mundo: deve estar ao lado dos que têm fome, sede, que sofrem injustiças. Mas esse compromisso deve ser ético, e não partidário. A igreja precisa ser porta-voz da justiça, da misericórdia e do amor ao próximo, mas de forma independente em relação ao Estado, aos partidos e às lideranças políticas. Isso não significa neutralidade diante do sofrimento, mas sim compromisso com o Evangelho sem se render à lógica do poder.

Quando me candidatei, por exemplo, fiz questão de me licenciar da minha igreja. Porque acredito que é possível e necessário distinguir o púlpito do palanque, a fé da máquina eleitoral. As Igrejas podem, sim, ouvir propostas políticas, mas de todos os lados. O que não podem é se transformar em correias de transmissão de projetos políticos específicos. Isso não é Evangelho, é idolatria travestida de piedade.

Compreendo que, diante disso, muitos eleitores do presidente Lula se sintam desconfortáveis em frequentar igrejas que foram tomadas por esse bolsonarismo fundamentalista. Mas o campo evangélico é diverso. Há comunidades que ainda preservam um espaço saudável de pluralidade e convivência democrática. É nelas que reside a esperança de uma nova caminhada.

O crescimento evangélico no Brasil, apesar de seguir uma tendência consolidada, não se deu no ritmo que muitos previam. Os dados do último Censo mostram um aumento expressivo, mas abaixo das expectativas históricas. E isso também pode estar ligado ao esvaziamento causado pela politização extrema dos templos, que afasta quem busca espiritualidade e não propaganda.

Por fim, é preciso refletir sobre a dificuldade do governo Lula em dialogar com o público evangélico. Parte disso se deve, sim, à necessidade de aprimorar essa comunicação. Mas é impossível ignorar o peso das fake news, da manipulação e da construção de uma imagem demonizada da esquerda, fruto de um projeto que envolve interesses econômicos, políticos e religiosos. Romper esse bloqueio exige diálogo honesto, escuta atenta e construção de pontes, não trincheiras.

O Brasil vive uma transição religiosa. A tendência é que, em breve, sejamos um país de maioria evangélica. Mas isso não precisa significar um retrocesso democrático. Muito pelo contrário: pode ser a oportunidade de construir um cristianismo comprometido com a justiça, a democracia e a paz. Um cristianismo que não seja de César, mas do Cristo.