Em audiência promovida por Sâmia, servidores da educação federal afirmam: “A greve continua!”
No início da semana, a deputada acompanhou lideranças sindicais na reunião em que o MGI anunciou o fim da negociação com uma proposta que não atende as reivindicações das categorias
24 maio 2024, 11:10 Tempo de leitura: 6 minutos, 37 segundosO mandato da deputada Sâmia Bomfim (PSOL-SP) promoveu, pela segunda vez, uma audiência pública na Câmara para tratar da mobilização dos servidores federais da educação. A atividade desta quinta (23) ocorreu dois dias após uma Mesa de Negociação organizada pelo Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos (MGI) com a categoria – e acompanhada pela parlamentar – na qual, segundo o governo, foi apresentada a proposta final de reajuste e reestruturação das carreiras. A oferta não atendeu às reivindicações dos trabalhadores e a greve, que completou 50 dias, será mantida.
“Infelizmente, o governo nos trouxe uma proposta muito aquém das nossas expectativas […] Fiquei muito triste de receber esse ultimato, de dizerem que não tem mais negociação, não tem mais oportunidade de diálogo, é pegar ou largar. […] Não estamos aqui com o intuito de atacar o governo, estamos aqui para ajudá-lo a governar para quem o elegeu […] quando um governo eleito pelas classes trabalhadoras e populares resolver governar para quem queria ver eles na cadeia, a gente já sabe qual é o resultado”, disse Leewertton Marreiro, delegado do Comando de Greve do SINASEFE, ao informar que a paralisação vai continuar.
Na reunião realizada na última terça (21) pelo MGI com as entidades representativas dos docentes, o secretário de Relações do Trabalho, José Lopez Feijóo, apresentou uma proposta que previa diferentes níveis de reajuste. Os professores que ganham mais receberiam um aumento de 13,3% até 2026; os que ganham menos, 31%. No entanto, nenhuma parte desse reajuste valeria para 2024.
Às organizações que representam os trabalhadores técnicos-administrativos em educação (TAE), a situação foi discrepante: ampliação de apenas 1,5% no índice linear de reajuste no vencimento básico da categoria. Na mesa anterior, em 19 de abril, o governo havia indicado 9% em 2025 e 3,5% em 2026. Com a nova proposta, o percentual de 2026 muda para 5%.
A reivindicação dos TAEs é de 37% de reajuste em três anos, já a dos professores é de 22%, ambos com aumentos já em 2024. A indignação se dá pelo alto grau de desvalorização e endividamento desses servidores, tendo em vista que amargaram sete anos de congelamento salarial durante as gestões de Temer e Bolsonaro. Os técnicos, especialmente, acumulam perdas de 52% nos salários em relação à inflação desde 2010.
Na abertura da audiência, Sâmia também relatou ter ficado preocupada com a postura intransigente do governo em fechar o espaço para diálogo. “Se a greve tem força, se nenhuma unidade deixou a mobilização, se isso não está sendo discutido, qual é o motivo para encerrar dessa forma?”
A deputada destacou que, além de não haver uma proposta digna para o ano vigente, a equipe econômica do Executivo desconsiderou que ainda não foi consolidada a abertura no orçamento viabilizada pelo novo Seguro Obrigatório para Proteção de Vítimas de Acidentes de Trânsito (SPVAT), substituto do DPVAT. “Ou seja, há espaço fiscal e financeiro para que, ainda em 2024, a disputa que o Centrão, sobretudo, faz por esses recursos seja voltada às trabalhadoras e trabalhadores que estão em greve”.
De acordo com a Sâmia, a mobilização feita em conjunto, desde o início, pelos servidores das universidades federais é fundamental: “E é assim que o nosso mandato, a nossa bancada e os parlamentares aliados vão seguir tratando. É uma greve unificada”. “A demanda real da luta de classes daqueles que resistiram contra o negacionismo e o ataque ao conhecimento precisa ser valorizada”, completou.
“O doutor não é melhor que a cozinheira”
A frase é da coordenadora-geral da FASUBRA, Loiva Chansis, que defendeu a coletividade entre o trabalho dos TAEs e o dos docentes no desenvolvimento das instituições. “Foram anos de muita luta, principalmente, para não sermos chamados de ‘não docentes’ e nos colocar nas universidades, também, como papel estratégico de promoção da pesquisa e extensão”, afirmou a servidora da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), que completou: “Um pesquisador não vai na mata fazer pesquisa se não tiver um companheiro mateiro para lhe dizer o caminho que deve ser feito”.
“Nós estamos todos nos [empréstimos] consignados! […] Nossa categoria ainda é a que tem o menor piso e o menor teto [do serviço público federal] e a proposta colocada não recupera a nossa perda e ainda nos mantém nos patamares menos valorizados. Fechar esse acordo para os próximos três anos significa dizer que estamos aceitando que não merecemos respeito”, disse Loiva.
Representando o FONASEFE, David Lobão apresentou o dado de que 70 a cada 100 técnicos-administrativos abandonaram o cargo na última década: “A disputa não é de orçamento, mas de compreensão do que é o serviço público e o servidor”. “Nós temos uma responsabilidade muito grande. […] Nessa tarefa, estamos atacando fortemente a direita desse país, que odeia o serviço público e o servidor. Nós temos que entender que a nossa greve é contra o fascismo, pelo fortalecimento da escola do filho do trabalhador”, pontou o professor do Instituto Federal da Paraíba (IFPB).
A greve é pedagógica
Amanda Pino nasceu em Umarizal, município do Rio Grande do Norte com pouco mais de 10 mil habitantes. Em um um depoimento bastante emocionado, ela contou que esteve na greve do ensino público em 2012, enquanto estudante de engenharia civil da Universidade Federal Rural do Semi-Árido (UFERSA). “Estou aqui para dizer que me formei politicamente nessa greve. Para quem é uma pessoa como eu, que veio de onde veio, a luta é a única saída. A gente não vai escolher o lado fácil da história”.
“Fiz iniciação científica, aprovei artigos, construí meu Currículo Lattes e a primeira vez que viajei de avião foi com recurso da universidade, para apresentar um trabalho em Goiânia. Fui fazer mestrado na UFRN [Universidade Federal do Rio Grande do Norte], passei num concurso e hoje sou professora na Universidade Federal do Cariri [UFCA]”, compartilhou Amanda, representando o Comando Nacional de Greve do ANDES-SN.
“Ao mesmo tempo que me sinto muito feliz de estar ao lado de alguém como Sâmia, num auditório que traz o nome de Florestan Fernandes e dialogando com trabalhadores da educação do país, eu fico muito triste de ter que defender o óbvio […] Eu queria estar aqui falando sobre mudança climática, tratamento de esgoto, acesso à água potável. Minha pesquisa é sobre isso! […] Mas não, eu preciso estar aqui discutindo recursos para a educação, recomposição de orçamento. Eu tiro do meu bolso para ajudar meus alunos a irem para um congresso, para que eles tenham a oportunidade que eu tive!”
A docente da UFCA ainda propôs uma reflexão. “Onde cada um de nós estava em 2020, 2021, 2022? […] Enquanto a gente estava pesquisando, desenvolvendo vacina e até EPI para quem estava na linha de frente da pandemia, as categorias que receberam a recomposição salarial tranquilamente estavam asfixiando trabalhador em camburão. Enquanto a gente lutava pelo restabelecimento da democracia neste país, essas categorias fechavam rodovias para que nós, do Nordeste, não fôssemos votar” desabafou.
Também compuseram a mesa a diretora do Sindsifce-CE, Artemis Martins; o presidente do ANDES-SN, Gustavo Seferian; os deputados Chico Alencar (PSOL-RJ), Dorinaldo Malafaia (PDT-SP) e, de forma remota, Fernanda Melchionna (PSOL-RS). Antes de passar a palavra aos participantes, Sâmia informou que o MGI foi convidado a enviar representantes, porém, o ministério comunicou que não seria possível devido a outras negociações que estavam em curso.
Assista à íntegra da audiência pública “Educação na Luta!”:
Foto: Leandro Rodrigues/ASCOM-Sâmia Bomfim