Como um projeto para instituir linguagem simples em órgãos públicos acabou virando transfobia

Leia o artigo do deputado Chico Alencar (RJ) sobre a votação do PL 6256/2019, que incluiu emenda vetando o uso da linguagem neutra em documentos de órgãos públicos

7 dez 2023, 16:52 Tempo de leitura: 2 minutos, 0 segundos
Como um projeto para instituir linguagem simples em órgãos públicos acabou virando transfobia

Quem nunca teve dificuldade de entender um texto oficial do governo e teve que pedir ajuda para “decifrar” a mensagem? Na última terça (05.12), o plenário da Câmara dos Deputados aprovou o PL 6256/2019, da deputada Érika Kokay (PT), que obriga os órgãos públicos a adotar regras de simplicidade em sua comunicação, facilitando o entendimento da população. A iniciativa é inspirada na legislação de outros países, como a “Lei da Linguagem Simples”, aprovada em 2010 nos Estados Unidos.

Por incrível que pareça, houve gente contrária ao projeto e – pior – por 257 a 144 votos, aprovaram uma emenda (sugestão pontual de alteração no texto) do deputado Junio Amaral (PL) que proíbe “novas formas de flexão de gênero e número das palavras da língua portuguesa”. Simplificando (olha aí a importância da linguagem simples), o novo texto proíbe o uso de pronomes neutros como “todes”, que é uma expressão política importante para que a comunidade LGBTQIA+ se sinta representada. Qual o sentido de incluir esse tipo de regra num projeto que não falava nada sobre isso?

Outro “argumento” usado contra o projeto durante a votação foi que, se aprovado, o poder público teria que usar linguagem “chula”. Nada mais longe da realidade! O projeto determina a obediência ao vocabulário ortográfico da Língua Portuguesa.

Em uma de minhas defesas do PL, citei ‘Evocação do Recife’, de Manuel Bandeira: “A vida não me chegava pelos jornais, nem pelos livros / Vinha da boca do povo, na língua errada do povo / língua certa do povo, porque ele é que fala gostoso / o português do Brasil, ao passo que o que nós fazemos é macaquear a sintaxe lusíada”.

Para minha surpresa, o deputado Gilson Marques (Novo/SC) não entendeu o poema: “Maquiar a sintaxe lusíada? O que é isso?”. Já Abílio Brunini (PL) me chamou de “representante da burguesia intelectual”, no que fui defendido pelo Helder Salomão (PT): “Queria dizer que o deputado Chico Alencar é um proletário intelectual (risos)”. Apesar de me acusarem de “elitismo”, Gilson votou contra o projeto e ambos apoiaram a emenda que dificulta a comunicação com um segmento importante da população brasileira.

Agora, pressionaremos o Senado e derrubar essa alteração absurda no texto original!

Foto: Zeca Ribeiro / Câmara dos Deputados