Célia Xakriabá afirma que luta indígena não retrocede com aprovação do Marco Temporal na Câmara e segue com articulação no Senado e apoio da sociedade
“Derrotado é quem está de braços cruzados e não luta, não nos sentimos derrotados. É hora de mudar as estratégias. Se nosso inimigo não nos deixou sonhar, não deixaremos que eles durmam”, afirma a deputada da Federação PSOL/Rede
31 maio 2023, 14:04 Tempo de leitura: 3 minutos, 58 segundosO projeto de lei sobre o marco temporal da ocupação de terras por povos indígenas (PL 490/07) foi aprovado nesta terça-feira (30.05) com os votos de 283 dos 513 deputados federais, a despeito da histórica resistência da Federação PSOL/Rede. Entre outros retrocessos, o projeto restringe a demarcação de terras indígenas àquelas já tradicionalmente ocupadas por esses povos em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição Federal.
A proposta agora será enviada ao Senado. Ontem mesmo, o presidente Rodrigo Pacheco recebeu em reunião lideranças políticas e indígenas que se posicionaram contra o projeto, representantes da bancada da Federação PSOL/Rede (além de Célia, os deps. Chico Alencar, Luciene Cavalcante, Fernanda Melchionna, Túlio Gadêlha, Tarcisio Motta, Erika Hilton e Ivan Valente) e a ministra Sônia Guajajara. Ele se comprometeu com a garantia de um processo com cautela e responsabilidade, e afirmou que o PL passará por todas as comissões da Casa, diferentemente da urgência do “passar da boiada” que se viu na Câmara, e que a constitucionalidade da matéria será avaliada em todas as instâncias competentes, com debate com a sociedade e os povos indígenas.
Apesar do ataque insidioso ocorrido na Câmara contra os povos indígenas e o meio ambiente, a deputada Célia Xakriabá (MG), que fez falas muito fortes durante todo o dia e durante a votação, não se deixou abater. “Derrotado é quem está de braços cruzados e não luta, por isso não nos sentimos derrotados. Ainda não acabou, é hora de mudar as estratégias. Se nosso inimigo não nos deixou sonhar, não iremos deixar que eles durmam. Pela cura da terra, pelo reflorestar do Brasil e do mundo, continuemos em guerra, resistindo. Ontem foi apenas uma batalha. Agora conto com vocês novamente, porque a luta não acabou, segundo passo é nossa articulação que já se iniciou com o Senado. O futuro do Brasil e do mundo conta conosco”, declarou.
Ataque organizado pela bancada ruralista
Segundo o texto substitutivo aprovado na Câmara, se a comunidade indígena não ocupava determinado território antes desse marco temporal, independentemente da causa, a terra não poderá ser reconhecida como tradicionalmente ocupada. Além disso, há previsão de permissão para plantar cultivares transgênicos em terras exploradas pelos povos indígenas; proibição de ampliar terras indígenas já demarcadas; adequação dos processos administrativos de demarcação ainda não concluídos às novas regras; e nulidade da demarcação que não atenda a essas regras.
O número de deputados que votaram “sim” ao marco temporal (55% da Câmara) é próximo ao da composição atual da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) na casa, também conhecida como “bancada ruralista”, que está com 300 deputados associados, de acordo com o site De Olho nos Ruralistas, o que corresponde hoje a 58% da composição total da Câmara. No fim da última legislatura, a bancada ruralista contava com o equivalente a 47% da Câmara.
Dia de movimentação intensa
Antes da reunião com o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, e da votação em Plenário do PL 490/07, a Frente Parlamentar Indígena, presidida pela deputada Célia Xakriabá, convocou uma coletiva de imprensa que contou com a presença da ministra Sônia Guajajara; do coordenador da APIB, Cleber Karipuna; do secretário executivo do Ministério dos Povos Indígenas, Eloy Terena; e dos deputados Talíria Petrone, Juliana Cardoso, Fernanda Melchionna, Erika Hilton, Tarcísio Motta, Chico Alencar, Ivan Valente e Henrique Vieira.
Célia Xakriabá destacou que o PL 490 representa um ataque frontal aos direitos indígenas e amplia as ameaças já colocadas pela tese do Marco Temporal: “Estamos aqui para assinar e não para assassinar direitos. Acabar com as demarcações, ameaçar os territórios que já estão demarcados e permitir que a mineração e os projetos que poluem e nos matam é promover um genocídio legislado”, afirmou a deputada.
Em sessão marcada para o próximo dia 7 de junho, o Supremo Tribunal Federal (STF) pode votar uma ação sobre o tema, definindo se a promulgação da Constituição pode servir como marco temporal para essa finalidade, situação aplicada quando da demarcação da reserva indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima. O STF já adiou por sete vezes esse julgamento. A última vez ocorreu em junho de 2022.
Fotos: Pablo Valadares / Câmara dos Deputados e Pedro Gontijo / Senado Federal