Câmara pretende votar projeto que praticamente legaliza a agiotagem ao escancarar possibilidade de bancos confiscarem casas de pessoas que estejam inadimplentes
O PL 4188/21 cria as chamadas Instituições Gestoras de Garantia (IGGs) é um grave ataque à impenhorabilidade do bem de família e uma verdadeira armadilha para milhões de famílias em situação econômica desesperadora
24 maio 2022, 15:47 Tempo de leitura: 3 minutos, 53 segundosA bancada do PSOL alerta a imprensa e a sociedade para o PL 4188/21, que está na pauta da Câmara para ser votado e cria as chamadas Instituições Gestoras de Garantia (IGGs), que, a serviço do sistema financeiro, terão o poder de confiscar a casa de uma família que eventualmente fique inadimplente. A casa onde vive o cidadão e sua família é bem impenhorável, com defesa garantida por lei (a impenhorabilidade do bem de família é um direito assegurado pela legislação para que, caso algum membro da entidade familiar adquira dívidas, o imóvel residencial próprio não possa ser penhorado para pagamento destas; tais dívidas podem ser de qualquer natureza, conforme prevê o art. 1º da Lei 8.009/1990, que o projeto pretende alterar).
A construção legal do conceito jurídico de “bem de família” tem por objetivo assegurar à pessoa e à entidade familiar o direito a ter o mínimo dos bens necessários para lhe assegurar uma existência digna, sendo verdadeira prevalência do direito social moradia, quando este colide com outros de valor inferior, como o dever de cumprir / adimplir com um contrato.
Num contexto de grave crise social e econômica como o que passa o Brasil durante o governo Bolsonaro, o PL 4188/21 representa uma armadilha para milhões de famílias em situação de desespero. Segundo dados recentes, cerca de 77% das famílias brasileiras estão endividadas. Este projeto possibilita que, colocando o único imóvel da família como garantia, o cidadão tenha acesso a um ou vários empréstimos – o que parece bastante atrativo num primeiro momento.
No entanto, caso haja inadimplência de apenas uma das dívidas autorizadas pela IGG, independentemente de aviso ou interpelação judicial, a garantia poderá ser executada, ou seja, a casa será tomada. Para além disso, o PL estabelece que, caso o imóvel objeto da execução da dívida seja leiloado por valor inferior ao montante da dívida, o devedor continuará devendo a diferença entre a venda e a dívida.
Outro aspecto cruel do projeto é que ele estimula que esses empréstimos sejam concedidos pelos bancos mesmo quando há pouca possibilidade de quitação da dívida – ou seja, mesmo que a pessoa não tenha uma fonte de renda, o que, nesse caso, é garantia de que o bem colocado como garantia será confiscado pela IGG. Imóveis, veículos, máquinas, quadros, joias e até telefone celular podem servir como garantias. É uma verdadeira legalização da “agiotagem” pelos bancos e instituições financeiras.
Obviamente já existem situações em que o bem de família pode ser confiscado, mas elas são muito restritas e sua execução muito criteriosa. A própria lei 8009/1990 prevê, em seu art. 3º, as hipóteses em que a proteção ao bem de família é afastada, a saber:
•Se a execução foi movida pelo “titular do crédito decorrente do financiamento destinado à construção ou à aquisição do imóvel, no limite dos créditos e acréscimos constituídos em função do respectivo contrato” – assim, se o indivíduo faz o financiamento de um imóvel e não paga a instituição financeira, poderá ao final da execução perder o próprio imóvel;
•Quando a dívida for referente a pensão alimentícia;
•Para cobrança de impostos, predial ou territorial, taxas e contribuições devidas em função do imóvel familiar;
•Para execução de hipoteca sobre o imóvel oferecido como garantia real pelo casal ou pela entidade familiar;
•Por ter sido adquirido com produto de crime ou para execução de sentença penal condenatória a ressarcimento, indenização ou perdimento de bens.
O PL 4188/21 é uma proposta de Bolsonaro e Guedes que beneficia os bancos e o sistema financeiro. Em contraposição, o PSOL denuncia mais esse ataque e defende a taxação dos lucros dos bancos, a revisão das dívidas dos mais pobres e da classe média e políticas de renda justa para a população.
“Essa proposta de tirar praticamente todas as proteções sobre o bem de família, escancarando as possibilidades de penhora, vai tornar a crise social um drama ainda maior no Brasil. Os bancos ganham, mas as famílias ficariam numa situação ainda mais difícil, tendo em vista a natural dificuldade de pagar um dos empréstimos num contexto de crise. É um risco gravíssimo! Não podemos aceitar”, afirma a líder Sâmia Bomfim (SP).
Foto: Antônio Cruz / Agência Brasil