Assimetria: acordo Mercosul–União Europeia prioriza o comércio mas expõe países latino-americanos a riscos ambientais e de soberania

Alerta foi dado pelo ex-eurodeputado espanhol Miguel Urbán, que esteve na Liderança do PSOL para um diálogo com os deputados Tarcísio Motta e Chico Alencar, além de lideranças de organizações e movimentos sociais

6 nov 2025, 18:22 Tempo de leitura: 5 minutos, 53 segundos
Assimetria: acordo Mercosul–União Europeia prioriza o comércio mas expõe países latino-americanos a riscos ambientais e de soberania

O Acordo Mercosul-União Europeia segue sendo alvo de preocupação por movimentos sociais e grupos políticos, como o PSOL, por se tratar de dispositivo benéfico apenas para corporações e prejudicial aos povos indígenas, ribeirinhos e ao desenvolvimento regional dos países latinos. O ex-eurodeputado Miguel Urbán, um dos fundadores do partido espanhol de esquerda Podemos, é um de seus principais críticos e foi recebido pelo deputado Tarcísio Motta (RJ) na Liderança do PSOL, ao lado de representantes de diversos movimentos sociais e entidades que atuam em diversos setores socioambientais brasileiros e internacionais. O encontro aconteceu na Liderança do PSOL na Câmara dos Deputados na manhã desta quinta-feira (6/11).

De acordo com Urbán, a principal preocupação reside na assimetria comercial que o tratado institucionaliza, projetando o Mercosul como exportador de produtos primários e importador de manufaturados europeus. “Isso é um risco direto à soberania econômica, podendo causar a perda de milhares de empregos industriais, notadamente nos setores automotivo no Brasil e industrial na Argentina, além de limitar a capacidade dos países-membros de implementar políticas públicas de desenvolvimento”, exemplificou.

Acompanhado da ativista salvadorenha radicada em Madri, Maureen Zelaya, ele explicou que, embora a etapa comercial do acordo possa entrar em vigor já em 2026, a parte política – que reúne todas as salvaguardas relativas a questões importantes como meio ambiente, legislação trabalhista, propriedade intelectual, além de aspectos étnicos e de gênero, entre outros – enfrenta forte resistência na Europa, com a esquerda europeia tentando obter um parecer do Tribunal de Justiça da UE para, possivelmente, atrasar a ratificação.

As chamadas cláusulas de salvaguarda, que deveriam proteger o meio ambiente e os direitos humanos, são amplamente criticadas por serem declarações não vinculativas, sem valor jurídico coercitivo, e contrastando com a natureza obrigatória do que já está sendo estipulado nos acordos comerciais. “Um claro sinal de que o acordo é neocolonial, passível de promover o agronegócio e o desmatamento, e sem oferecer garantias reais contra a violência e a degradação ambiental, especialmente contra os povos indígenas e demais populações tradicionais, como quilombolas e povos ribeirinhos”, disse.

Depois de fazer uma abrangente exposição desse cenário, Urbán ouviu os relatos dos representantes das entidades presentes ao encontro, inclusive o de elaboração de um relatório para documentar as violações de direitos e o lançamento de uma campanha de divulgação contrária, visando expor as falhas do acordo perante a justiça e a opinião pública.

Fundamentalmente desigual, se executado dessa forma o acordo aprofundará as disparidades regionais. Uma resposta a esse modelo seria a defesa de um internacionalismo territorial, que mobilize redes de movimentos sociais em uma luta conjunta contra o extrativismo e por um modelo de cooperação solidário, em oposição à exploração institucionalizada pelo tratado.

“O acordo promove uma dissonância informativa muito grande nas audiências públicas com os embaixadores dos países do Mercosul, assim como oferece pouquíssima transparência nas suas agendas, com prejuízos sobretudo para a América Latina”, afirmou o espanhol, destacando que, enquanto a parte comercial está bem adiantada e prestes a ser implementada, a parte que trata das políticas segue na fase de verificação legal das traduções, o que pode levar anos. Para piorar, ela deve ser ratificada ainda em todos os parlamentos dos 27 países europeus envolvidos. “Isso pode levar décadas”, alertou.

O deputado Tarcísio Motta destacou o imenso poder do agronegócio no Parlamento brasileiro. “O poder político do agronegócio exportador tem levado a um aumento de representatividade no Congresso. Ou seja, faz com que a gente tenha ainda mais dificuldade de modificar o rumo dessas políticas e o que resta pro nosso povo, muitas vezes, são políticas compensatórias ou de ‘correr atrás’, de combater a fome mas não com saídas estruturais. A gente tem se preocupado também muito com a consolidação e o uso político do fundamentalismo religioso. A gente tenta entender como é que essa classe vai agir diante de um acordo que também não é imediatamente vantajoso para esse setor dominante”, comentou.

Também presente à reunião, o deputado Chico Alencar (RJ) mencionou, como possíveis ferramentas de combate a esses oligopólios diretamente relacionados, no lado do Brasil, à construção do acordo, de desapropriação de terras, seja por trabalho análogo à escravidão, cometimento de crimes contra o meio ambiente ou plantações ilegais, por exemplo. “Nós nos alimentamos da luta dos movimentos sociais, que nos dão nervos e vida, embora a correlação de forças nos tenha sido até aqui desfavorável”, argumentou.

25 perguntas e respostas sobre o acordo EU / MERCOSUL
Durante o encontro, Miguel Urbán fez circular o informe “25 Perguntas e Respostas sobre o Acordo UE-Mercosul”, de Tom Kucharz, uma análise crítica do tratado entre a União Europeia e o Mercosul. O autor argumenta que o acordo representa uma continuidade da lógica neoliberal e neocolonial que favorece corporações transnacionais em detrimento dos direitos sociais, ambientais e humanos, denunciando a falta de transparência das negociações e a influência dos lobbies empresariais europeus, mostrando que o tratado reforça um modelo de desigualdade comercial — em que a América do Sul exporta matérias-primas baratas e importa produtos industrializados caros —, perpetuando a dependência econômica e o extrativismo ambiental.

O texto também enfatiza os riscos ecológicos e sociais do acordo. A liberalização do comércio agravaria o desmatamento da Amazônia e de outros biomas, incentivaria o uso de agrotóxicos e violaria direitos de povos indígenas e comunidades locais. O relatório critica a incoerência entre o Acordo UE-Mercosul e os compromissos climáticos assumidos pela União Europeia no Acordo de Paris e no Pacto Verde Europeu. Além disso, destaca que o tratado ameaça a soberania alimentar, a agricultura familiar e os serviços públicos, favorecendo grandes conglomerados agroindustriais e financeiros.

Por fim, o informe defende a mobilização social e política como única forma de barrar a ratificação do acordo. O texto argumenta que é necessário construir alternativas de integração solidária entre os povos, baseadas na justiça social, ambiental e econômica, e propõe fortalecer redes de resistência e plataformas de ação que denunciem o caráter desigual do tratado e promovam modelos de cooperação que priorizem direitos humanos, sustentabilidade e democracia sobre os interesses corporativos.

Participaram do encontro:

  1. Comitê Nacional em Defesa dos Territórios Frente à Mineração
  2. Greenpeace
  3. WWF
  4. Observatório do Clima
  5. GT Clima
  6. CIMI (Conselho Indigenista Missionário)
  7. Instituto Democracia e Sustentabilidade
  8. INESC
  9. Terra de Direitos
  10. MTST
  11. APIB
  12. Frente Parlamentar Ambientalista
  13. Painel do Mar
  14. Assessoria técnica da bancada do PSOL na Câmara dos Deputados

Fotos: Bruna Menzes