A milicialização da PM paulista (Por Ivan Valente)

Em artigo na Folha de S. Paulo, o deputado do PSOL afirma que "violenta, polícia não pode apresentar na letalidade o seu cartão de visita"

15 ago 2024, 19:18 Tempo de leitura: 3 minutos, 36 segundos
A milicialização da PM paulista (Por Ivan Valente)

A marca da gestão do governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) e de seu secretário da Segurança Pública, Guilherme Derrite, à frente da Polícia Militar de São Paulo tem sido a do aumento da violência, uma verdadeira “licença para matar”.

As operações Escudo e Verão, com 84 mortes e toda sua característica sangrenta, com fuzilamento de pessoas rendidas, intimidação de testemunhas, violação de domicílio e adulteração da cena dos crimes, dão a tônica dessa política que também se manifesta em várias outras ações do governo paulista.

Dados da própria gestão Tarcísio mostram que o número de pessoas mortas por PMs em serviço no primeiro semestre deste ano foi de 301, contra 155 no mesmo período de 2023 —um aumento de 94%. Já temos a maior facção criminosa do país e caminhamos a passos largos para estabelecer uma polícia milicianizada, que age na ilegalidade e apresenta na letalidade seu cartão de visita. A fala do governador é sintomática dessa política, bastando lembrarmos que, quando denunciado por violência na ONU, Tarcísio respondeu: “O pessoal pode ir na ONU, na Liga da Justiça, no raio que o parta, que eu não estou nem aí”.

Derrite ganhou fama por declarar que considerava uma vergonha qualquer policial que, com cinco anos de serviço, tivesse matado menos de três pessoas. Enquanto ainda estava na ativa foi investigado por envolvimento em 16 homicídios em operações policiais. Chegou a ser afastado da Rota, tropa de elite da PM de São Paulo, por excesso de mortes e serviu no Corpo de Bombeiros até ser eleito deputado federal.

Em sua polêmica gestão à frente da secretaria, tem uma atuação que se caracteriza pelo uso estimulado e ostensivo da violência. Uma de suas manobras nesse sentido foi o afastamento de 34 coronéis, sem aviso prévio, muitos deles a favor do uso das câmeras corporais que Tarcísio tentou suspender e agora quer que os agentes possam desligá-las no meio de ações ostensivas. A mudança em massa na cúpula da PM reforçou posições bolsonaristas de figuras que comungam das mesmas orientações de Derrite.

Outra ação condenável do secretário foi anistiar 65 policiais com alta letalidade, além de operar um desmonte da Corregedoria da PM, responsável pelas investigações. Aliás, nomeou corregedor o coronel Fábio Sérgio do Amaral, que, em vez de investigar e punir condutas irregulares e delitos na tropa, usa suas redes sociais para atacar adversários políticos. Manifestações de cunho político-partidário são vedadas a policiais da ativa, conforme o regimento interno da corporação.

Nessa mesma linha, a anomalia mais recente é um boletim interno por meio do qual Derrite impede comandantes regionais de afastarem ou pedirem investigação contra policiais envolvidos em suspeitas de crimes de abuso. Sem publicação em Diário Oficial, o boletim concentra unicamente nas mãos do subcomandante da PM a possibilidade de afastar policiais suspeitos de agressão, corrupção ou adulteração da cena de crimes. O posto é ocupado atualmente pelo coronel José Augusto Coutinho, o qual foi instrutor de Derrite na academia militar e depois foi seu comandante na Rota.

Outra atitude absurda foi a tentativa do comandante-geral da PM, coronel Cássio Araújo de Freitas, de contestar diretamente uma decisão judicial de suspensão de policiais envolvidos em crimes de homicídio.

Não compete ao comando da Polícia Militar, que não é parte do processo, questionar diretamente uma decisão judicial. O ofício do comandante, levado por dois policiais pessoalmente ao juízo, não só é uma medida inusual como pode ser caracterizada como intimidatória.

O uso da segurança pública como palanque para o populismo de extrema direita pode significar um caminho sem volta, com gravíssimas consequências. Essa conduta que temos observado foge à ideia de uma polícia profissional, não partidarizada, respeitada pela população e dentro das regras do Estado democrático de Direito. Mais violência nunca foi sinônimo de mais segurança.

Foto: Câmara dos Deputados / Mário Agra