Do ‘ouro branco’ à terra sem água: alerta de Célia Xakriabá sobre Vale do Jequitinhonha dá origem a ADPF contra colapso socioambiental
A partir de uma iniciativa conjunta da deputada federal Célia Xakriabá (PSOL-MG) e da Mídia Ninja, o PSOL protocolou no Supremo Tribunal Federal uma ação que denuncia o colapso socioambiental provocado pela mineração desenfreada no Brasil
3 nov 2025, 17:51 Tempo de leitura: 3 minutos, 45 segundos
A partir de uma iniciativa conjunta da deputada federal Célia Xakriabá (PSOL-MG) e da Mídia Ninja, o PSOL protocolou no Supremo Tribunal Federal uma ação que denuncia o colapso socioambiental provocado pela mineração desenfreada no Brasil, com foco no Vale do Jequitinhonha (MG). A proposta da ação nasceu durante o Clímax – Encontro de Cultura, Comunicação e Clima da Mídia NINJA, realizado em Diamantina no fim de setembro, onde lideranças indígenas, movimentos sociais e populares, comunicadores e pesquisadores se uniram para construir uma resposta jurídica à política minerária em curso no país.
A Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF 1279) questiona decretos federais e resoluções da Agência Nacional de Mineração (ANM) que, segundo a autora da proposta, deputada Célia Xakriabá, “abrem as porteiras para uma mineração sem freios no semiárido mineiro, ampliando as desigualdades e empurrando comunidades negras, quilombolas, indígenas e rurais para um novo ciclo de violências ambientais,- como já vimos em Mariana e Brumadinho”.
Entre os dispositivos impugnados estão os Decretos 10.657/2021 e 10.965/2022, que instituíram a Política Pró-Minerais Estratégicos durante o governo Bolsonaro, e resoluções da ANM que aceleram licenciamentos e reduzem controles socioambientais. A deputada alerta que essas normas criam uma “arquitetura de exceção” para grandes mineradoras, excluindo populações atingidas dos debates públicos e fragilizando o direito ao meio ambiente equilibrado garantido pela Constituição.
Crise estrutural e racismo ambiental
Para Célia Xakriabá, o que está em curso é “um projeto de morte que chama de sustentável um sistema que destrói quem sempre cuidou da terra”. A deputada chama atenção para o racismo ambiental que estrutura o modelo minerário brasileiro que é incapaz de oferecer respostas adequadas para reverter os processos de violência: “é o mesmo povo que enfrenta falta d’água, desemprego, desmatamento, doença e exclusão, enquanto as grandes corporações lucram com o discurso da transição energética”.
O documento ressalta que o discurso de “transição verde” tem servido como escudo para o avanço predatório nos territórios mais vulneráveis. Cita os crimes ambientais de Mariana e Brumadinho como alertas ignorados pelo Estado e pelas empresas, que seguem operando em ritmo acelerado e com fiscalização reduzida.
Vale do Lítio: sustentabilidade para quem?
O caso mais emblemático apresentado pela deputada é o da mineradora Sigma Lithium, que opera em Araçuai e Itinga, no coração do Vale do Jequitinhonha. A empresa se vende como produtora de “lítio verde quíntuplo zero” – sem carbono, rejeitos, químicos, barragens ou combustíveis fósseis -, mas, na prática, consome até 3,6 milhões de litros de água por dia em uma região marcada pela seca histórica e pelo racionamento que afeta famílias e pequenos agricultores.
“Comunidades rurais precisam dividir 5 litros de água para beber, lavar e cozinhar, enquanto uma mineradora drena milhões de litros por dia com aval do Estado. Isso não é transição energética, é pilhagem neocolonial”, afirma Xakriabá, ecoando a crítica do relatório do projeto LIQUIT, elaborado por universidades brasileiras e britânicas, que apontou falhas graves no licenciamento ambiental da empresa.
A ADPF também denuncia o uso de recursos do Fundo Clima pelo BNDES para financiar o projeto da Sigma, o que a deputada classifica como “desvio de finalidade que transforma dinheiro público em combustível para crises sociais e ecológicas”.
Ameaça climática, retrocesso ambiental e urgência da ação
O texto apresentado ao Supremo mostra que a mineração intensiva no semiárido acentua a desertificação e o calor extremo, agravando a crise climática e sanitária. Segundo o Cemaden, 27 das 30 cidades com maior aumento de temperatura no país estão em Minas Gerais, a maioria no Vale do Jequitinhonha.
Célia Xakriabá reforça que “minerar no berço da seca é decretar a sentença da fome e da sede”, e afirma que o Brasil vive hoje um estado de exceção ambiental que precisa de intervenção urgente do Judiciário.
“Se o Estado brasileiro insiste em transformar nossos territórios em zonas de sacrifício, nós vamos transformar essa dor em ação política e jurídica. Lutar pelo clima também é lutar pelo direito de existir com dignidade”, declara a deputada.
Foto: Bruno Spada / Câmara dos Deputados