Líder do PSOL envia carta aberta ao STF e TSE pela defesa da democracia na tentativa de cassação do mandato de Glauber Braga

Glauber Braga é um parlamentar socialista, é um parlamentar da esquerda brasileira, da ultraesquerda dirão alguns. A democracia se faz no diálogo e também no debate.

9 abr 2025, 18:24 Tempo de leitura: 7 minutos, 20 segundos
Líder do PSOL envia carta aberta ao STF e TSE pela defesa da democracia na tentativa de cassação do mandato de Glauber Braga

A líder da bancada do PSOL na Câmara, a deputada Talíria Petrone, enviou carta aberta aos presidentes do Supremo Tribunal Federal, ministro Luis Roberto Barroso, e do Tribunal Superior Eleitoral, ministra Carmen Lúcia, pela defesa da democracia no caso de tentativa de cassação do mandato do deputado Glauber Braga no Conselho de Ética da Casa.

Brasília, 09 de abril de 2025.

Ao Exmo. Sr Dr. Luis Roberto Barroso, Presidente do Supremo Tribunal Federal,

À Exma. Sra. Dra. Carmem Lúcia Antunes da Roca, Presidenta do Tribunal Superior Eleitoral,

Venho, por meio deste, como líder da bancada do PSOL, apresentar esta CARTA ABERTA perante Vossas Excelências, em um apelo a defesa da democracia que tão bem tem sido honrada e defendida pelas instituições por ambos lideradas. Minha preocupação, diletos Ministros, se refere ao processo no Conselho de Ética da Câmara dos Deputados que pede a cassação de seu mandato parlamentar e a resistência apresentada pelos meus pares em dialogar na busca de uma solução mais razoável.

Porém, lhes assevero que meu intuito não é simplesmente a defesa do mandato de um parlamentar de meu partido político, ele se alicerça em fatos e fundamentos que exporei mais detalhadamente adiante, mas especialmente tem em seu centro a defesa da liberdade de expressão e do salutar direito à existência de minoria como parte essencial da legitimidade do Parlamento.

Glauber Braga é um parlamentar socialista, é um parlamentar da esquerda brasileira, da ultraesquerda dirão alguns. Glauber, Excelências, é um parlamentar necessário. A democracia se faz no diálogo e também no debate. Não há debate num espaço em que todos expressam a mesma opinião, inclusive espaços de unanimidade na verdade são arenas de silenciamento. Onde todos concordam, muitos não estão sendo ouvidos. Eu sou uma mulher negra parlamentar e sei o quanto o silêncio dos meus pares foi imposto historicamente sob o manto dos acordos e “conciliações”.

Como expressou o deputado Chico Alencar em seu voto divergente, a tentativa esdrúxula de cassação do mandato do deputado Glauber Braga não tem por base o fato em si do desentendimento entre ele e o Sr. Costenaro, e sim no seu direito à liberdade de expressão.

O voto do relator demonstra bem isso. Pretende-se cassar um mandato por seu titular ser um parlamentar crítico à ex-gestão da Câmara dos Deputados e por ter se expressado contrariamente ao relator. Ocorre que estas não são razões juridicamente válidas.

Caso a situação fosse submetida a uma análise jurídica de Vossas Excelências o ato cometido pelo deputado Glauber seria uma mera contravenção, como são as vias de fato. Ressalte-se este ponto não houve nenhuma lesão corporal ao Sr. Costenaro. O fato se deu por o parlamentar num momento de emoção. Sua mãe, sua grande referência política, estava em seus últimos dias de vida, e foi ofendida por um cidadão que de modo contumaz o provoca com ofensas. Neste dia, em dor pelas condições de saúde de sua mãe, o parlamentar reagiu. Mas sua reação seria caracterizada tão somente como uma mera contravenção de vias de fato sem nenhuma consequência a integridade física do Sr. Costenaro.

Acontece, Excelências, que o Código de Ética e Decoro Parlamentar da Câmara dos Deputados padece de um vício estrutural, que meu partido irá se esmerar em sanar, não existe uma designação proporcional entre conduta e atribuição de responsabilidade. Ou seja, nos artigos 4º e 5º do Código são definidas as condutas incompatíveis com a ética e o decoro parlamentar, porém apenas no artigo 10º são listadas as punições, apelando-se em seu § 1º apenas para a proporcionalidade dos julgadores, vejam:

Art. 10. São as seguintes as penalidades aplicáveis por conduta atentatória ou incompatível com o decoro parlamentar:

I – censura, verbal ou escrita;

II – suspensão de prerrogativas regimentais por até seis meses;

III – suspensão do exercício do mandato por até seis meses;

IV – perda de mandato.

§ 1º Na aplicação de qualquer sanção disciplinar prevista neste artigo serão considerados a natureza e a gravidade da infração cometida, os danos que dela provierem para a Câmara dos Deputados e para o Congresso Nacional, as circunstâncias agravantes ou atenuantes e os antecedentes do infrator.

§ 2º O Conselho de Ética e Decoro Parlamentar decidirá ou se manifestará, conforme o caso, pela aplicação da penalidade requerida na representação tida como procedente e pela aplicação de cominação mais grave ou, ainda, de cominação menos grave, conforme os fatos efetivamente apurados no processo disciplinar.

§ 3º Sem prejuízo da aplicação das penas descritas neste artigo, deverão ser integralmente ressarcidas ao erário as vantagens indevidas provenientes de recursos públicos utilizados em desconformidade com os preceitos deste Código, na forma de Ato da Mesa.

O Código de Ética e Decoro Parlamentar, portanto, não faz uma subsunção direta entre conduta e pena e por isto há distorções como a que se encontra ocorrendo neste momento, no qual um parlamentar pode ter seu mandato cassado e se tornar inelegível por oito anos, por ter, sob violenta emoção, expulsado um cidadão que ofendia a honra de sua mãe das dependências da Câmara. Sem, repita-se à exaustão, causar qualquer dano a integridade deste cidadão.

Vejam esta é a penalidade mais gravosa. Aquela que deveria ser aplicada quando um parlamentar usa os poderes e prerrogativas do cargo para constranger ou aliciar servidor, colega ou qualquer pessoa sobre a qual exerça ascendência hierárquica, com o fim de obter qualquer espécie de favorecimento (art. 5º, V) ou quando usar verbas de gabinete ou qualquer outra inerente ao exercício do cargo em desacordo com os princípios da administração pública (art. 5º, VII).

Mas o Código de Ética e Decoro Parlamentar que hoje temos é arbitrário e não faz distinção. Isto permite que um deputado acusado de agressão contra sua ex-companheira, agressão com lesão corporal agravada pela convivência doméstica e vínculo de afeto, seja punido com censura verbal[1], e um outro que agiu sem gerar nenhuma lesão a cidadão que ofendia sua mãe no leito de morte tenha a si atribuída a pena de cassação de seu mandato. Não é só absurdo, é também inconstitucional, pois fere frontalmente o princípio da proporcionalidade tão bem definido na Corte Constitucional Brasileira com um princípio responsável por definir uma correlação entre as ações do estado e o fim pretendido que tem dosimetria, proporcionalidade entre o ato e a punição.

Neste ponto, rememoro aqui julgado dos Ministro Carlos Ayres de Brito no qual assevera: “embora o Judiciário não possa substituir-se à administração na punição do servidor, pode determinar a esta, em homenagem ao princípio da proporcionalidade, a aplicação de pena menos severa, compatível com a falta cometida e a previsão legal”.[2]

Asseguro-me ainda em decisão do Supremo Tribunal Federal na qual se expressa que “cabe ao Poder Judiciário verificar a regularidade dos atos normativos e de administração do poder público em relação às causas, aos motivos e à finalidade que os ensejam.[3]

E assim, como líder do meu partido, como defensora de democracia, venho, perante Vossas Excelências, informar que temos a certeza de que a justiça e a democracia prevalecerão e de que os mais altos Tribunais Brasileiros não se furtarão de sua missão constitucional de defesa da democracia e da liberdade de expressão quando chamados.

Por isso, caros Ministros fiz questão de ler esta carta aberta endereçada à Vossas Excelências para anunciar que o Partido Socialismo e Liberdade, PSOL, irá lutar com todos os meios jurídicos a nossa disposição contra a injustiça deste relatório e a desfaçatez deste julgamento e temos  certeza que os mais Altos Tribunais brasileiros serão o palco adequado para mais uma vez garantir que nossa democracia não padeça, que os votos dos cidadãos brasileiros sejam respeitados e nossa liberdade assegurada.

Atenciosamente,

Talíria Petrone

Deputada Federal (PSOL)            

Foto: Kayo Magalhães / CD


[1] https://www.camara.leg.br/noticias/1062662-conselho-de-etica-aprova-censura-verbal-ao-deputado-delegado-da-cunha/

[2] [RMS 24.901, rel. min. Ayres Britto, j. 26-10-2004, 1ª T, DJ de 11-2-2005.]

[3] [Recurso Extraordinário 365.368 AgR, relator min. Ricardo Lewandowski]