Seminário promovido por Sâmia Bomfim alerta que o Brasil é “lanterninha” em políticas sobre cuidados
Evento reuniu especialistas, poder público, sociedade civil e organizações internacionais
12 abr 2024, 12:10 Tempo de leitura: 5 minutos, 53 segundosPrimeira atividade do GT da Bancada Feminina, do qual a deputada do PSOL é relatora, reuniu especialistas, poder público, sociedade civil e organizações internacionais
A Câmara dos Deputados realizou, na última terça (9), o seminário “Cuidado como Trabalho, Cuidado como Direito”, organizado pela Secretaria da Mulher por iniciativa da deputada Sâmia Bomfim (PSOL-SP), coordenadora-adjunta da Bancada Feminina e também relatora do Grupo de Trabalho (GT) que trata da Política Nacional de Cuidados. O evento reuniu especialistas e representantes do poder público, da sociedade civil e de organizações internacionais a fim de fomentar o debate sobre esta pauta que contempla a realidade da maioria das brasileiras.
Além de trazer um tema inédito para o Congresso, o seminário foi a primeira atividade promovida pelo GT, criado na segunda quinzena de março. “Tivemos contato com experiências de países que já têm uma política desenvolvida, cenário no qual o Brasil figura como ‘lanterninha’, e pudemos ouvir relatos de mulheres que realizam esse trabalho tanto do ponto de vista do mercado reconhecido como no âmbito familiar e doméstico; em todo caso, invisível e desvalorizado, mas essencial para o funcionamento da sociedade”, destacou Sâmia.
Na mesa de abertura, a secretária de Cuidados e Família do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), Laís Abramo, expressou as discussões que o governo federal vem acumulando desde que instaurou um Grupo de Trabalho Interministerial (GTI) sobre a mesma temática. “O cuidado é um direito e uma necessidade de todas as pessoas, mas é também um trabalho que consome muitas horas diárias de milhões de mulheres no Brasil e no mundo todo, em especial, as mais pobres, as negras, as que vivem na zona rural e nas periferias urbanas”, afirmou ela, que é doutora em sociologia pela USP e ex-diretora da Comissão Econômica para a América Latina e Caribe (CEPAL) e da Organização Internacional do Trabalho (OIT).
“O trabalho de cuidados no Brasil não é apenas feminizado, é profundamente racializado. São as mulheres negras que arcam com a maior parte dessa carga”, afirmou a secretária, que chamou atenção ainda para o agravamento desse contexto com o envelhecimento acelerado da população feminina: “Em média, as mulheres de 60 a 79 anos trabalham mais do que as não idosas nas tarefas do cuidado, pois, muitas vezes, elas são as avós que estão cuidando dos netos para que suas filhas possam sair para trabalhar. Paralelamente, as mulheres com 80 anos ou mais continuam trabalhando cerca de 17 horas por semana, ou seja, são pessoas que já necessitam de cuidado e continuam cuidando”, completou Abramo.
Sâmia parabenizou a gestora por seu papel pioneiro à frente do GTI. Desde o ano passado, a secretaria chefiada por Laís se debruça para levantar dados e entregar uma robusta proposta de Política e Plano Nacional de Cuidados ao Parlamento “Esse esforço concentrado, com diálogo entre o GT da Câmara e o GTI do Executivo, será um divisor de águas no que diz respeito à política de cuidados no Brasil”, pontuou a relatora, que se comprometeu a coletar assinaturas e convencer os demais congressistas sobre a importância desse futuro marco regulatório.
Cuidado como trabalho
A Federação Nacional das Trabalhadoras Domésticas (FENATRAD) esteve presente, representada pela diretora de Articulação Sindical, Lúcia Helena Conceição de Souza. Funcionária remunerada de uma mesma família por mais de 20 anos, engajou-se na luta por melhores condições para a categoria ainda na década de 1990, quando ajudou a criar o Sindicato das Empregadas Domésticas de Volta Redonda (RJ).
“Assim que comecei a trabalhar nessa casa, o sogro da minha patroa queria que ela me mandasse embora porque eu era sindicalista […] Quando eu cheguei, o bebê estava na barriga; quando eu saí, ele estava indo para a faculdade. Como seria possível sem alguém que o cuidasse?”, lembrou Lúcia.
A articuladora reforçou que, apesar dos avanços, defender os direitos das cuidadoras continua sendo uma luta árdua: “Nosso trabalho é muito amplo. Cuidamos da casa, da criança, dos idosos, dos animais, das plantas, da alimentação, das roupas. Tudo isso nos demanda uma responsabilidade muito grande e desgastante, sem falar na remuneração, que é muito ruim”.
Cuidado como direito
Fundadora do Movimento Vidas Negras com Deficiência Importam, a professora Luciana Viegas é mãe, negra, periférica e autista. Ela participou do seminário por videoconferência pouco antes de embarcar para a Suíça, onde apresentará ma Organização das Nações Unidas (ONU) dados do levantamento “A situação das pessoas negras com deficiência no Brasil”.
Além de sistematizar o conhecimento a partir de sua própria vivência enquanto alguém que precisa de cuidados, há cerca de dois anos, ela foi convidada a integrar um projeto de pesquisa do Minority Rights Group com a finalidade de observar como os marcadores sociais de raça, gênero e deficiência estão presentes nas diferentes formas de discriminação contra pessoas com deficiência. “Faço um apelo às autoridades que reconheçam e, de fato, avancem logo com a Política Nacional de Cuidados. A ausência do Estado no tema reflete em violência e contribui para uma necropolítica, especialmente na morte de corpos negros e favelados”.
Do Rio Grande do Norte, Barbara de Melo Ribeiro Dantas é publicitária. Há sete anos, abriu mão de seus objetivos pessoais para cuidar integralmente de sua mãe, vítima da Doença de Alzheimer. O desgaste provocado pela rotina exaustiva e o surgimento de um quadro de ansiedade generalizada motivaram a comunicadora a criar uma ONG que acolhesse outras mulheres que realizam essa mesma função, a de “cuidadora parental informal”. Foi assim que ela deu início ao Instituto Jacinta e à sua luta pelo reconhecimento desse trabalho.
“Me perdoem se a fala dói, mas a gente é mesa para o patriarcado. O capitalismo não reconhece os afetos, e o cuidado parental informal é feito de afeto, sentimentos, abdicações […] Nós não somos invisíveis, mas os direitos, sim. Invisível está sendo o Estado enquanto não houver política pública para nós”, lamentou Bárbara, que é mobilizadora de um Projeto de Lei e iniciativa popular que, segundo ela, “traz as miudezas e submundo do cuidado”.
Assim como esse PL, Sâmia completa que já foram mapeados mais de 120 propostas em tramitação na Casa que, de uma forma ou de outra, estabelecem diretrizes para a garantia dos direitos a quem necessita e a quem provê cuidados. Esses projetos serão avaliados um a um para agregar à Política Nacional de Cuidados, que deve ser apresentada até agosto como resultado do GT.
Confira as demais falas e contribuições na integra do seminário: https://www.youtube.com/live/f_iQAyq3uwo?si=rHEjqr8aHaY2Q7T