Câmara aprova substitutivo do Novo Ensino Médio, com oposição da bancada do PSOL
Texto que vai para o Senado traz avanços, como a retomada das 2.400 horas na Formação Geral Básica, mas promove outros prejuízos para estudantes e professores
21 mar 2024, 18:06 Tempo de leitura: 8 minutos, 6 segundosO Plenário da Câmara aprovou o Projeto de Lei nº 5239/2023, que altera a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) para implementar o chamado Novo Ensino Médio (NEM), com firme oposição da bancada do PSOL. Imposta no governo de Michel Temer, a reforma do Ensino Médio começou a ser implementada por Jair Bolsonaro e foi vigorosamente rejeitada por entidades estudantis, associações científicas, sindicatos de docentes e movimentos sociais, que protestaram por ela ter sido gestada de modo autoritário e antipopular, através da Medida Provisória nº 746/2016, que interrompeu um intenso processo de debate sobre o Ensino Médio que se dava na sociedade e chegava ao Congresso Nacional.
O Substitutivo de Mendonça Filho (União), depois da negociação de relatoria, presidência da Câmara e MEC, avançou em relação à carga horária da formação propedêutica (ou “regular”), mas segue com graves problemas, como por exemplo:
- Mantém a Base Nacional Comum Curricular – BNCC como central, a despeito de a ampla maioria da comunidade educacional e científica se posicionar contra (excluiu ainda o espanhol das disciplinas obrigatórias);
- Abre margem para privatizações e para disseminação da Educação a Distância (EaD), o que tende a reduzir a qualidade do ensino e ampliar as desigualdades.
- Estabelece uma parte diversificada dos currículos, chamada “itinerários formativos”, que na maior parte dos municípios as escolas públicas não terão condições de ofertar com qualidade. Isso vai aumentar o abismo entre a escola dos pobres e a escola dos ricos, que é o problema central da educação brasileira. Mais de 2.900 municípios brasileiros só têm uma escola de ensino médio. Manter os itinerários formativos é manter a exclusão.
- Nesses itinerários, matérias que estimulam o pensamento crítico, como filosofia e sociologia, ficam diluídas, cada qual com uma carga horária menor do que teriam se continuassem na Formação Geral Básica (FGB).
- A formação geral para quem optar pelo ensino técnico de nível médio também ficará reduzida, pois o total será 2.100 horas (e não 2.400). A “reforma” também prevê o reconhecimento de experiências extraescolares (inclusive “trabalho remunerado”) para o cumprimento das exigências curriculares do Ensino Médio, e assim tende a fomentar, a um só tempo, a desescolarização e o mercado privado de cursos de curta duração.
- Mantém na LDB a possibilidade de contratação de profissionais com “notório saber” para o ensino profissionalizante. Por fim, prevê que o conteúdo dos tais itinerários seja cobrado no Enem, o que, ao mesmo tempo dilui ainda mais a importância da FGB (português, matemática, história etc.), e cria um problema prático, pois os itinerários são definidos localmente, e o Enem é um exame nacional.
- Mantém para o ensino técnico 1.800 horas é a continuação da precarização, criando um sistema com dois ensinos médios, um de formação geral, que poderá ser integral, e outro de formação técnica precarizada, que é o que vai ficar para os mais pobres.
- O § 8º, no que diz respeito à educação técnica e profissional, diz: “Poderá ser feita mediante cooperação técnica entre as secretarias de educação e as instituições credenciadas de educação”, ao que foi acrescentado, entre vírgulas: “preferencialmente públicas”. A alteração é a brecha que faltava para todas as instituições particulares.
Pronunciamento dos deputados do PSOL durante a votação
Tarcísio Motta (RJ)
As vitórias que nós temos aqui hoje são vitórias de quem se mobilizou para derrotar o Novo Ensino Médio, são vitórias da pressão que o Governo Lula fez para garantir mudanças, são vitórias da bancada da Educação neste Congresso Nacional. Elas são vitórias, e nós precisamos comemorá-las. Mas elas são suficientes? Essa é a pergunta que todos nós nos fazemos aqui.
Se 2.400 horas na formação geral básica é uma vitória, o fim da educação a distância na previsão é uma vitória, mas a lógica de manter para o ensino técnico 1.800 horas é a continuação da precarização, é a continuação da fragmentação, a volta ao passado. Essa, sim, é a volta ao passado onde teremos dois ensinos médios, um de formação geral, que poderá ser integral, e outro de formação técnica precarizada, porque essa será para o pobre. Isso nós não aceitamos.
Glauber Braga (RJ)
Temos que agradecer aos estudantes, aos professores e professoras que foram à Conferência Nacional de Educação. A manutenção das 2.400 horas se deve a essa mobilização.
Os itinerários formativos foram mantidos? Foram. “Ah! Mas é a possibilidade de o estudante escolher”. Que conversa fiada! Mais de 2.900 Municípios brasileiros só têm uma escola de ensino médio. Então, se o itinerário formativo foi mantido, a exclusão foi mantida. Isso está contido no texto que está colocado.
Sobre a abertura para a educação a distância: qual é a regra hoje? A regra hoje é a educação a distância como complementação. No texto que foi colocado para a discussão, está lá “excepcionalidade”. A excepcionalidade é garantir a educação a distância ao bel prazer daqueles que vão tornar a exceção regra. Isso não foi. Isso pode ser modificado no texto, mas até este momento não foi. O notório saber foi mantido como proposta e não vai ser modificado pelo relatório.
Esse projeto não nos atende.O governo deveria ter mandado uma medida provisória revogando o NEM e aproveitando o ano de 2024 para que essa discussão fosse feita junto com o Plano Nacional de Educação.
Revoga NEM! Viva a luta de quem não se entregou!
Professora Luciene Cavalcante (SP)
É muito importante entender o que está sendo votado hoje aqui. Estamos falando da escola pública de quase 90% de todos os nossos estudantes brasileiros. Estamos falando da modalidade de ensino que tem a maior taxa de evasão escolar. Mais de meio milhão de estudantes são expulsos da escola por ano porque não há condições e políticas de permanência para que eles tenham acesso a um direito que é fundamental. Nós estamos falando de um País que tem uma dívida histórica com o conjunto da sua população, um País que só em 1930 teve o Ministério da Educação. Estamos falando de um País cuja primeira lei federal que trata da educação, a LDB — Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, foi feita apenas em 1961 e estamos falando sobre essa lei, que é a lei geral que regula a legislação do nosso território.
Essa reforma foi feita no contexto de um golpe político gravíssimo do nosso País, contra o qual nós lutamos há sete anos. É sobre esse texto que estamos aqui deliberando. O governo fez uma consulta, construiu um projeto com o conjunto dos movimentos dos estudantes, e mais uma vez somos golpeados aqui, pois o relator mudou esse projeto na sua essência.
Não podemos considerar que o notório saber, que os itinerários, que a educação a distância, que esses dispositivos vão significar alguma espécie de melhoria para a educação dos nossos estudantes. Gente, em que mundo vocês estão pensando? Estamos falando da nossa escola pública e do nosso cotidiano. Não podemos abrir mão assim do nosso futuro e do nosso presente. É por isso que nós do PSOL estamos contrários a esse relatório do Deputado Mendonça. Não podemos entregar a educação dessa forma.
Sâmia Bomfim (SP)
As 2.400 horas para a formação geral básica, sem dúvida, foram uma conquista fruto da mobilização dos estudantes e dos educadores brasileiros, porque de fato esse era um dos temas que mais pegava para os estudantes, que, em vez de terem essa formação completa e complexa, acabavam tendo disciplinas completamente aleatórias que não diziam respeito a uma formação necessária, tanto para encarar o mercado de trabalho, quanto para exercer sua cidadania e atuar na sociedade. Porém, é absolutamente lamentável que os estudantes do curso técnico não tenham a mesma oportunidade, pois terão 1.800 horas. É fundamental que se tenha a oportunidade de escolher a formação técnica profissional que se deseja. Mas isso não pode prescindir do direito de ter uma formação geral básica. E aqui é importante fazer um destaque sobre esse tema do técnico, que já foi levantado pelo Deputado Glauber.
No texto está escrito que as parcerias que os Estados podem fazer para garantir essa formação técnica devem ser feitas preferencialmente com entes públicos. Preferencialmente, na prática, significa que eles irão preferir fazê-la com a rede privada. E nós sabemos justamente quais são os setores que fazem lobby, desde a aprovação do Novo Ensino Médio do golpista Michel Temer e que foi implementado depois na prática pelo ex-Presidente inelegível: são justamente os setores que querem aumentar a margem de lucratividade sobre uma formação mais precarizada dos nossos jovens. Isso precisa ser destacado, pois é um dos absurdos que se mantêm nesse texto.
Não ao NEM!
Foto: Mario Agra / Câmara dos Deputados