PSOL na Câmara acusa Bolsonaro de prevaricação e desrespeito ao Estatuto da Criança e do Adolescente no caso das meninas venezuelanas em queixa-crime ao STF
Bancada pediu ainda que a Comissão Mista Permanente sobre Migrações Internacionais e Refugiados do Congresso Nacional e o Comitê Nacional de Refugiados do governo federal investiguem o caso; declaração associada à pedofilia continua repercutindo.
17 out 2022, 14:20 Tempo de leitura: 4 minutos, 6 segundosA bancada do PSOL na Câmara acusa o presidente Jair Bolsonaro de prevaricação na queixa-crime protocolada no domingo (16.10), no Supremo Tribunal Federal, em função das declarações associadas à pedofilia feitas pelo candidato à reeleição anteontem numa live. Tipificado no artigo 319 do Código Penal, a prevaricação ocorre quando alguma autoridade “retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício, ou praticá-lo contra disposição expressa de lei, para satisfazer interesse ou sentimento pessoal”. No documento, o presidente é acusado ainda de ter desrespeitado o Estatuto da Criança e do Adolescente.
Na entrevista, Bolsonaro afirma ter entrado numa casa em São Sebastião (DF) onde havia mais de uma dezena de meninas pré-adolescentes de 14 ou 15 anos, depois que “pintou um clima”, quando ele passava no local passeando de motocicleta. “Bolsonaro passa acintosamente todos os limites morais ao afirmar que ‘pintou clima’ entre ele e pré-adolescentes de 14 anos, e mostrar que, mesmo numa situação em que ele, em tese, vislumbrou exploração sexual infantil, sua atitude foi a de interesse e não de proteção daquelas meninas”, afirma a líder Sâmia Bomfim (SP).
Leia a íntegra do trecho onde o presidente fez a afirmação: “Eu parei a moto em uma esquina, tirei o capacete e olhei umas menininhas, 3, 4, bonitas, de 14, 15 anos, arrumadinhas em um sábado numa comunidade. E vi que eram meio parecidas. Pintou um clima, voltei. ‘Posso entrar na sua casa?’. Entrei. Tinham umas 15, 20 meninas, sábado de manhã, se arrumando. Todas venezuelanas. E eu pergunto: meninas bonitinhas de 14, 15 anos se arrumando no sábado para quê? Ganhar a vida”. Após o fato, ocorrido dois anos atrás e relembrado no podcast, nenhuma providência teria sido tomada pelo presidente.
Ranking de exploração sexual
O Brasil ocupa o segundo lugar em um triste ranking: o de exploração sexual de crianças e adolescentes, estando apenas atrás da Tailândia. Por ano, de acordo com um panorama organizado pelo Instituto Liberta, são 500 mil vítimas. Os dados mostram que, a cada 24 horas, 320 crianças e adolescentes são explorados sexualmente no Brasil – no entanto, esse número pode ser ainda maior, já que apenas 7 em cada 100 casos são denunciados.
O estudo ainda esclarece que 75% das vítimas são meninas e, em sua maioria, negras. Elas são vítimas de espancamentos, estupros, estão sujeitas ao vício em álcool e drogas, bem como Infecções Sexualmente Transmissíveis (ISTs). Outros dados, como os do último Anuário Brasileiro de Segurança Pública, que analisou crimes cometidos em 2021, aponta que o Brasil registrou, em média, 130 casos por dia de violência sexual contra crianças e adolescentes. O Distrito Federal, onde ocorreu o episódio relatado pelo presidente Bolsonaro, registra um estupro de vulnerável por dia.
“É fundamental ressaltar que o completo desrespeito de Bolsonaro para com as mulheres (adultas ou crianças) pode ser evidenciado também na disponibilidade orçamentária e nas políticas públicas: no atual governo, em valores já atualizados pela inflação, temos o menor orçamento de toda a história destinado a ações de combate à violência contra a mulher. A título de exemplo, o orçamento liquidado para este conjunto de ações em 2021 foi apenas 0,67% do valor liquidado em 2014 durante o governo Dilma, o maior da série histórica”, destaca a queixa-crime.
Como já exposto, o presidente da República – em relato pessoal na entrevista – atestou a possível existência de exploração sexual de menores e, pelo exposto, nada fez. Nesse cenário, se as denúncias forem confirmadas, Jair Bolsonaro cometeu o crime de prevaricação, além de violar o Estatuto da Criança e Adolescente de forma sistemática. Para além do Código Penal, é fundamental citar o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que, em seu artigo 4º, pontua que “é dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária”, e destaca que a garantia de prioridade compreende primazia de receber proteção e socorro em quaisquer circunstâncias.
A bancada pediu ainda que se notifique a Comissão Mista Permanente sobre Migrações Internacionais e Refugiados do Congresso Nacional e o Comitê Nacional de Refugiados (Conare) do governo federal, assim como a Promotoria de Justiça de Defesa da Infância e da Juventude do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios para investigação competente do caso e acompanhamento das diligências, além de oitiva imediata dos envolvidos nos fatos relatados na queixa-crime, inclusive o presidente da República.