Bolsonaro tenta reescrever a verdade
Está em curso no Brasil governado por Bolsonaro e seus generais da reserva, a absurda pretensão de reescrever a História. Por Luiza Erundina.
24 mar 2022, 10:31 Tempo de leitura: 3 minutos, 41 segundosHoje, 24 de março, é o Dia Internacional do Direito à Verdade sobre as graves violações aos direitos humanos e da dignidade das vítimas. Data revestida de enorme importância para a humanidade e para a sociedade brasileira, e inserida no calendário nacional de celebrações do país em decorrência da aprovação da Lei n° 13.605/2018, de minha autoria e de outros parlamentares da Comissão Parlamentar Memória, Verdade e Justiça da Câmara dos Deputados.
Essa lei vai muito além da inclusão de mais uma data comemorativa no calendário nacional. A celebração do 24 de Março é expressão do compromisso firmado pela sociedade brasileira com o resgate necessário da verdade histórica sobre os crimes e violações aos direitos humanos cometidos pela ditadura civil-militar, e para que esses crimes de lesa-humanidade não permaneçam impunes e não se repitam nunca mais.
A escolha dessa data não ocorreu por acaso. Em 2010, uma resolução proclamada pela Assembleia Geral das Nações Unidas, a escolheu em homenagem a Monsenhor Óscar Arnulfo Romero, arcebispo de El Salvador. Dom Romero foi cruel e barbaramente assassinado em 24 de março de 1980, quando celebrava uma missa, em razão da sua incansável luta em defesa da democracia e dos direitos humanos. Em 14 de outubro de 2018, Dom Óscar Arnulfo Romero foi canonizado Santo da Igreja Católica pelo Papa Francisco.
Mesmo sendo a data reconhecida por lei no Brasil, verifica-se o mais absoluto descompromisso dos governos de turno em celebrá-la e promovê-la.
Não bastasse a impunidade dos crimes praticados por agentes do Estado brasileiro, no período da ditadura, que deixou de herança a violência institucional nas cidades do Brasil, Bolsonaro e seus asseclas tentam reescrever a história e apagar o passado criminoso de estupradores, sequestradores, torturadores e assassinos, causando ainda mais dor na ferida aberta no coração e na alma dos familiares dos mortos e de desaparecidos políticos do país.
Demonstração dessa tentativa criminosa é o silêncio conivente do Ministério da Justiça e da Advocacia Geral da União, sobre a decisão do juiz federal Hélio Silvio Ourém Campo, da 6ª Vara do Tribunal Regional Federal de Pernambuco. Publicada em 22 de junho de 2021, só foi descoberta por servidores do Arquivo Nacional no início deste ano, e altera o Relatório Final da Comissão Nacional da Verdade, que investigou o período da ditadura militar.
Foi autorizada pelo referido juiz a remoção de seis páginas do documento, com o objetivo de tirar um dos nomes da lista de torturadores, o ex-coronel da Polícia Militar daquele estado, Olinto de Sousa Ferraz. O relatório da CNV, elaborado por especialistas e corroborado por provas, não poderia ser alterado, mesmo por um magistrado. Diante da inércia suspeita do MJ e da AGU, apresentei requerimento de convocação dos respectivos ministros e, requerimento de informações para que se manifestassem por escrito em 30 dias, conforme a Constituição Federal, sob pena de crime de responsabilidade. Até então, sem resposta.
O episódio ganha novos contornos, como atesta matéria trazida pela CartaCapital, em edição de 4 de março, dando conta da denúncia de servidores públicos do Arquivo Nacional sobre perseguições que estariam sofrendo, e o descarte de documentos históricos, provas documentais, ou seja, verdadeira “queima” de arquivo.
Como se vê, está em curso no Brasil governado por Bolsonaro e seus generais da reserva, a absurda pretensão de reescrever a História. Tal intento faz parte de uma ação coordenada da extrema-direita aqui e no mundo, ao afrontar os direitos humanos e ferir de morte a democracia.
Diante de tais fatos, cumpre-nos o dever de preservar a verdade histórica e de lutar por justiça de transição para as vítimas das graves violações aos direitos humanos perpetradas pelo estado terrorista do regime militar.
Salve o Dia Internacional do Direito à Verdade sobre as graves violações aos direitos humanos e da dignidade das vítimas!
Luiza Erundina
Ex-prefeita de São Paulo (1989-1993) e deputada federal por seis mandatos consecutivos (PSOL-SP).
Artigo originalmente publicado na Carta Capital em 24 de março de 2022.
Foto: Najara Araújo / Agência Câmara